terça-feira, 1 de abril de 2025
Imigrantes: quem é o inimigo?
08/02/2025
  • Por Lier Pires Ferreira e Renata Medeiros

A visão da América como uma terra de oportunidades nunca pareceu tão distante. Na distopia trumpista, todos aqueles que buscam nos Estados Unidos novas oportunidades de vida e trabalho, oneram as finanças, esbulham empregos e corroem a alma do país. Logo, são inimigos.

Há muito os ataques trumpistas se voltam para os imigrantes. É sempre mais fácil bater nos vulneráveis. Pelas redes sociais, fonte exclusiva de informação para milhões de americanos encapsulados em bolhas de ódio e egoísmo, o presidente e seus replicadores digitais produzem espectros sombrios que povoam o imaginário de jovens desorientados, empreendedores de si mesmo, desempregados e outros desalentados. Vale tudo para desumanizar os imigrantes. Trump já declarou que são “traficantes, estupradores e assassinos”, que “estão tomando os empregos dos americanos”, que estão “destruindo a estrutura do país” e que “são terroristas”.

Das palavras, agora passou para a ação. A “era de ouro” prometida por Trump em seu discurso de posse já reluz nas algemas que acorrentam as mãos, os pés e os sonhos dos deportados. Dentre eles, cerca de 90 brasileiros que chegaram ao país na sexta-feira, 24/01, e foram mantidos sob algemas mesmo durante o desembarque, em Manaus. Diante deste cenário, pouco adiantaria lembrar que do acordo Brasil-Estados Unidos para que deportados sejam tratados com dignidade e respeito. Orgulhoso, Trump se põe acima do Direito.

A situação dos imigrantes teve contornos ainda mais dramáticos na Colômbia, cujo presidente, Gustavo Petro, inicialmente se recusou a receber os deportados de seu país. Enfurecido, Trump anunciou duras sanções, como uma tarifa adicional de 25% sobre os produtos colombianos, a interrupção da concessão de vistos para cidadãos do país e sanções ao Tesouro nacional e a investimentos colombianos nos Estados Unidos. Pressionado, Petro recuou, sob a promessa de Washington de que as sanções prometidas também não seriam aplicadas.

As más notícias “não cessam de brotar”. Nesta quarta-feira, 29/01, após demitir procuradores federais que participaram de processos contra ele, em uma postura vingativa, que afronta a segurança jurídica e institucional do país, Trump assinou uma ordem executiva determinando a abertura de espaços na controvertida base americana em Guantánamo, Cuba, para receber cerca de 30 mil dos “piores criminosos estrangeiros que ameaçam o povo americano.” Está aberta a temporada de caça ao inimigo interno. Para legitimar suas ações, Trump afirmou que “alguns são tão ruins que não acreditamos nos países [de origem] para mantê-los […]. Então, vamos mandá-los para Guantánamo.”

Esta talvez seja a primeira vez na história em que imigrantes vivem com medo na América. Pouco importa lembrar que Trump é filho de uma imigrante escocesa, que chegou ao país com apenas US$50,00 no bolso. Relatos de brasileiros nos Estados Unidos revelam que as pessoas estão acuadas, receosas até de frequentarem escolas e hospitais. Nem as igrejas escapam da sanha persecutória dos agentes trumpistas, muitos dos quais formam grupos supremacistas, de inspiração neonazista. Hoje, há blitz diárias para capturar imigrantes ilegais, revivendo práticas criminosas da Alemanha nazista contra a comunidade judaica, nos anos 1930.

Ainda não é possível saber onde a “bola” das ações de Trump irá “bater”. Mas a indústria do medo já produz seus efeitos. Nos Estados Unidos, mesmo aqueles que ostentavam com orgulho camisetas com o slogan “Latinos com Trump”, estão temerosos, ainda que estejam em situação legal. Ao Sul do continente, Javier Milei, um arauto de Trump, anunciou que vai construir alambrados na fronteira com a Bolívia, reforçando, também, os cuidados na divisa da Argentina com o Brasil. Como toda violação grave aos direitos humanos, o ódio aos imigrantes tem o condão de se espalhar.

Reduzir os imigrantes à condição de inimigos é apenas um balão de ensaio do que está por vir. Negros, indígenas, homossexuais e outros segmentos serão impactados. Externamente, as ameaças de taxação a parceiros comerciais, as ambições territorialistas sobre a Groenlândia e o Canadá, a retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris e da Organização Mundial da Saúde, dentre outros, mostram que o multilateralismo e a governança global construídos após a II Guerra Mundial (1939-1945) estão por um fio. Sob a gestão Trump, o mundo parece um lugar (ainda) pior, para todos. Essa triste constatação nos faz questionar: quem é o inimigo?

* Lier Pires Ferreira — Doutor em direito pela Universidade Federal Fluminense, advogado;
* Renata Medeiros — Mestre em ciência política, advogada

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Lier Pires Ferreira — PhD em Direito (UERJ). Pesquisador do NuBRICS/UFF;
Renata Medeiros — Mestre em ciência política, advogada.