sexta-feira, 5 de dezembro de 2025
BRICS: um convite ao multilateralismo
28/04/2025

Nos dias 28 e 29 de abril, os ministros das relações exteriores dos BRICS estiveram reunidos no Palácio Itamaraty, no Rio de Janeiro. Alguns elementos fazem dessa uma reunião especial. Desde a conferência de cúpula de Kazan, na Rússia, em 2024, essa foi a primeira reunião dos chanceleres dos países BRICs, sendo, igualmente, a primeira a contar com as autoridades diplomáticas dos novos membros da coalizão: Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes, Etiópia, Indonésia e Irã, sem contar os países parceiros como Bolívia, Cuba, Malásia e Uganda.

Mas o que torna essa conferência tão especial é o momento pelo qual o mudo está passando. Sob a presidência de Donald Trump, os Estados Unidos estão rompendo unilateralmente compromissos históricos que, por décadas, legitimaram sua posição de potência líder da governança global. As múltiplas tarifas impostas a parceiros e adversários, China adiante, seu descompromisso com a causa ambiental, as ameaças sobre a soberania de países como Canadá, Dinamarca, Irã e Panamá, bem como sua incapacidade de equacionar conflitos como a guerra russo-ucraniana e os embates entre Hamas e Israel, escancaram a realidade de que a América já não é tão grande quanto Trump gostaria.

Os BRICS também são alvos potenciais do fogo trompista. Em fevereiro, antes mesmo do “tarifaço” que impôs ao mundo, o titular da Casa Branca disse que taxaria os países do bloco em 150% (mais do que aplicou unilateralmente sobre a China) caso a coalizão insistisse em criar um sistema alternativo de pagamentos, que permita a progressiva substituição do dólar no comércio recíproco, em favor das moedas nacionais. Tiro n’água!

Na reunião dos sherpas em Brasília, ainda em fevereiro passado, houve consenso de que as ameaças trumpistas deveriam ser ignoradas. Assim, embora Trump tenha declarado que “o BRICS morreu no momento que eu mencionei isso”, ou seja, no momento em que ameaçou sobretaxar em 150% os países da coalizão, os mesmos decidiram unanimemente manter os trabalhos para a desdolarização do comércio recíproco. Agora, no Rio de Janeiro, esse compromisso foi renovado e os trabalhos em favor da desdolarização, embora ainda embrionários, continuam. A América foi ignorada.

É certo que não há, nos BRICS, o intuito de confrontar os Estados Unidos do ponto de vista político, ideológico ou comercial. Os BRICS não são uma coalizão anti-ocidental ou anti-americana. Afinal, salvo em relação à China, Trump suspendeu o “tarifaço” que impôs ao mundo, respeitando, ainda que temporariamente, a maioria dos acordos comerciais vigentes. Além disso, se é verdade que já não desfruta do poder de outrora, a águia americana ainda voa alto e possui garras afiadas, não sendo conveniente confrontá-la à céu aberto.

Mas é fato que existem alternativas de desenvolvimento e nova inserção internacional para os países periféricos e os BRICS estão entre elas. Com seu banco de desenvolvimento, o conhecido Banco dos BRICS, e sua imensa capacidade de mobilização, os BRICS são hoje uma das vozes mais proeminentes em defesa do multilateralismo, dos sistema global de comércio, do combate à fome e ao aquecimento global, além de ações contundentes em favor da paz. Em outras palavras, em que pese suas contradições e limites, os BRICS podem ser a base de uma nova governança global, anticolonial e anti-imperialista, capaz de democratizar as instituições internacionais de poder.

Sede da reunião dos chanceleres, o Brasil e o Rio de Janeiro têm muito a fazer na materialização desses objetivos. País de forte tradição diplomática, estando há mais de um século em paz com seus vizinhos sulamericanos, “o Brasil pode contribuir significativamente para a solução dos problemas internacionais”, como declarou recentemente o chanceler russo, Sergey Lavrov. Além disso, o Rio de Janeiro, por sua projeção global, pelo que representa em termos de brasilidade, decolonialidade e acolhimento das diversidades, pela sua forte tradição ambiental, pela sua clara vocação à inovação, com sua crescente economia do mar, a decantada economia azul, a cidade tem tudo para se firmar como a casa dos BRICS, a capital permanente dessa coalizão internacional, a sede permanente do seu futuro secretariado. 

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Renata Medeiros — Mestre em ciência política, advogada;
Lier Pires Ferreira
— PhD em Direito (UERJ). Pesquisador do NuBRICS/UFF.