A crise de credibilidade se aprofundou nesta quarta-feira (21) no inquérito que apura a tentativa de golpe após as eleições de 2022. Em depoimento ao Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-comandante da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, confirmou que o então comandante do Exército, general Freire Gomes, ameaçou prender o presidente Jair Bolsonaro, caso ele insistisse em aplicar uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem) fora dos limites constitucionais ou em colocar em prática uma minuta golpista.
O problema é que Freire Gomes já havia negado essa mesma declaração à Corte, também sob juramento. Agora, os dois ex-integrantes do alto comando das Forças Armadas apresentam versões opostas para um dos momentos mais sensíveis da história recente do país — e alguém mentiu ao STF.
Segundo Baptista Júnior, a conversa teria ocorrido entre os dias 1º e 14 de novembro de 2022, no Palácio da Alvorada, numa reunião com os então comandantes das três Forças: ele próprio (Aeronáutica), o general Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), o almirante Almir Garnier (Marinha) e o general Freire Gomes (Exército). Bolsonaro teria levado à mesa ideias sobre decretar uma GLO e até mesmo sobre o uso de uma minuta para se manter no poder após perder a eleição.
Ao ser questionado pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, se confirmava que Freire Gomes ameaçou Bolsonaro com prisão, Baptista respondeu sem titubear:
— Confirmo, sim. O general Freire Gomes é uma pessoa polida, educada, não falou essa frase com agressividade, mas colocou exatamente isso: “Se o senhor fizer isso, terei que te prender”.
A declaração entra em rota direta de colisão com o que disse Freire Gomes em sua própria oitiva, também no STF:
— A mídia até reportou que eu teria dado voz de prisão ao presidente. Não aconteceu isso de forma alguma. Acho que houve uma má interpretação, até quando nós conversamos em paralelo, os comandantes.
Apesar da negativa, Freire Gomes admitiu que alertou Bolsonaro de que, caso extrapolasse os limites legais, não teria apoio das Forças Armadas e poderia ser responsabilizado juridicamente.
O embate entre os dois generais coloca o Supremo diante de um impasse. Um deles mentiu à Corte. A falsa comunicação de testemunha é crime, e o peso da divergência não é apenas jurídico, mas também histórico: está em jogo a verdade sobre a resistência (ou conivência) dos militares diante de uma tentativa de ruptura institucional.
A Procuradoria-Geral da República e o ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, agora terão de avaliar quem disse a verdade. Uma resposta que pode ter consequências profundas para o futuro das investigações — e das Forças Armadas no Brasil democrático.
Tropa à disposição de Bolsonaro
Em outro depoimento, o tenente-brigadeiro do Ar Carlos de Almeida Baptista Júnior, ex-comandante da Força Aérea Brasileira (FAB), confirmou que o almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, colocou suas tropas à disposição do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para uma tentativa de golpe de Estado.
O apoio de Garnier aconteceu após uma reunião em que foi apresentado por Bolsonaro a utilização de meios jurídicos para permanecer no cargo, como decretos de Garantia da Lei e da Ordem e Estado e Defesa.
A posição do líder da Marinha foi destoante dos demais comandantes das Forças Armadas. Em uma das reuniões dos comandantes das Forças Armadas com Bolsonaro após o segundo turno das eleições de 2022, conforme narrado por Baptista Jr., o general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército, anunciou que prenderia o então chefe do Executivo caso ele atentasse contra o regime democrático.