sexta-feira, 5 de dezembro de 2025
Um matuto sabido
15/08/2025

Se o destino lhe reservou a sina de nascer pobre e no interior, você precisa desenvolver a criatividade, ter coragem de trabalhar, para poder escapar do que lhe foi reservado.

Chico de Dina era um homem alvo, baixinho, morava com duas irmãs próximo à Igreja Velha, na entrada do Principado de Sant’Ana do Garrote, e ganhava a vida vendendo água aos abastados do lugar. Água do Açude de Zé Gervasio, diga-se.

Era um homem criativo. Ganhou um Jumento do senhor Felizardo Cordeiro, e com a ajuda de um velho ferreiro de Piancó, desenvolveu uma carroça.

Meu pai tomava conta do motor de Teotônio Neto, que fornecia energia ao lugar e recebia muitos tambores de 200 litros de óleo diesel. Chico ganhou um desses. Levou o tambor para o ferreiro fazer uma boca por cima e adaptar a boca de baixo para a saída da água.

Mas, depois de pronta, a carroça apresentou um defeito: o eixo era assentado junto à estrutura de madeira que segurava o tambor, e era muito dura.

Então, o comerciante Agostinho Lopes, usando da sua conhecida fama de inventor, apontou a solução para o problema e ofereceu a ideia a Chico.

Foi em Patos, comprou uma barra de aço, duas rodas, dois pneus usados e alguns metros de Maçaranduba. Sim, e seis lâminas de aço flexível, e levou tudo para o ferreiro Zé da Pedra, dizendo o que queria. Foi mão na roda.

Em uma semana, Chico já circulava todo ancho com sua nova carroça, indo e voltando ao Açude de Zé Gervasio. E contava a todos como tinha feito seu instrumento de trabalho.

No Açude tinha uma história de assombração, porque um homem morreu afogado e os meninos que iam tomar banho diziam que alguma coisa segurava em suas pernas debaixo da água.

Severino Henrique, um pescador afamado, foi pescar por lá e seu anzol fisgou algo. A linha esticou e Severinim segurou a vara com força, pensando tratar-se de uma traíra grande.

E forçou a vara, quando de repente aparece uma caveira humana flutuando sobre a água em sua direção, com os braços abertos e resmungando alguma coisa. O pescador soltou a vara e correu, deixando seu bisaco com as tralhas à beira da água. Nunca mais apareceu por lá.

Chico acordava cedo, mas nunca se atreveu e por lá antes do dia clarear, com medo da história da assombração. Seu Zé Gervasio gostava de contar a história a todos.

Mas, Agamenon Caica, o exímio pintor da nossa terra, que não veio ao mundo para ser besta, resolveu tirar proveito da situação e pediu a seu Antônio Fotógrafo para fazer uma foto de Severinim e, conhecedor da história, pintou a cena numa cartolina e montou um bom plano.

No sábado, dia de feira, seu Zé Gervasio gostava de tomar umas lapadas de Cachaça. Ele aproveitou a oportunidade e mostrou sua arte. O velho ficou abismado com a perfeição da pintura e de olhos arregalados, propôs:

— Me venda!

Era tudo que Agamenon queria ouvir. E vendeu o quadro.

Como em lugar pequeno não há segredo, soube-se depois que a história da assombração foi criada por seu Zé Gervasio para evitar que os meninos fossem lá tomar banho e baldear a água e os pescadores não mais fossem pescar e roubar suas frutas.

  • Para o médico José Araujo, meu conterrâneo, que me lembrou de Chico de Dina.

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Zé Euflávio
Zé Euflávio

Zé Euflávio é um dos jornalistas mais respeitados da Paraíba, com passagens também pelo Correio Braziliense.