sexta-feira, 5 de dezembro de 2025
Ciana – A Feiticeira
12/07/2025

Como diz o francês Jean-Claude, certas histórias chegam no momento apropriado para semear a dúvida, para reforçar ou abalar as crenças, para refinar ou perverter as nossas relações familiares, sociais, para provocar constantemente o além, que se reserva ao direito de não responder. Elas correm pelas ruas, sobretudo à noite.

O que conto nada mais é do que aquilo que me contaram. Assim, tem pessoas nascidas numa cidade e ninguém sabe o nome delas, sempre chamadas por um apelido.

Dona Ciana era tia de Ademar Alvino e morava no Xique-xique, bem em frente à casa do Senhor Severino Caica. Era uma mulher alva, de longos cabelos grisalhos batendo na bunda, o que lhe dava uma aparência misteriosa.

Era rezadeira respeitada por todos e tinha fama de adivinhar o futuro. Passava horas sentada numa cadeira em frente à sua casa falando sozinha. Reclamava do mundo e dos costumes, principalmente das mulheres que tinham filhos sem serem casadas.

Eu e meu amigo Tota Barbosa brincávamos de carro de boi. Íamos à roça de Zé Batista, enchíamos os carrinhos de lenha e trocávamos por um cuscuz delicioso que a velha fazia com a fuba de milho que a Aliança para o Progresso, programa do governo americano, mandava para o Brasil.

Ana Borbosa, uma vizinha, estava sentindo umas tonturas. Procurou a velha rezadeira para uma consulta. Foi lá e disse que sentia tonturas, enjoou, vontade de vomitar e muito sono. Ciana foi na mosca:

— Avise ao seu marido que você está grávida — disse.
— Mas, eu não tenho marido nenhum, Dona Ciana — respondeu Ana.
Ao que a rezadeira retrucou: “Então, o negócio é mais grave do que eu pensava. Tome um chá e se acalme”, recomendou entregando um maço de ervas a Ana.

Um dia, Dona Ciana amanheceu na casa do seu sobrinho, Ademar Alvino. “Ademar, meu filho, vá na casa de compadre Marçal e diga para ele não sair de casa hoje”, pediu. O sobrinho desconfiava que a tia estava caducando, agora tinha certeza, e não lhe deu atenção.

Ao meio dia o senhor Marçal Bernardino foi assassinado a tiros por três sobrinhos numa Bodega vizinha à Farmácia de Agostinho Queiroz.

Depois, ela foi à loja de Ademar e pediu para ele não circular pelo mercado, que uma coisa vai acontecer. Às 10h da manhã, Ermírio Passos foi morto a tiros.

O prefeito da cidade ia passando de carro em frente à casa da velha e foi chamado. A energia de Paulo Afonso acabara de chegar e a inauguração seria à noite. Até o governador João Agripino ia estar presente.

— A festa vai ser bonita. Pena que Quinzinho não possa assistir — disse e entrou.

Às 15h, seu Quinzinho teve um enfarto e morreu.

Eu, de minha parte, repito a frase de Miguel de Cervantes: “Eu não acredito em Bruxas, mas, que elas existem, existem”.

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Zé Euflávio
Zé Euflávio

Zé Euflávio é um dos jornalistas mais respeitados da Paraíba, com passagens também pelo Correio Braziliense.