É fato que o paraibano Hugo Motta (Republicanos-PB) só chegou à presidência da Câmara porque Arthur Lira (PP-AL) decidiu. Foi ele quem colocou a mão no ombro do paraibano e o lançou como sucessor, garantindo uma eleição quase unânime, com 444 votos em fevereiro. Motta surgiu como apadrinhado, candidato de consenso, protegido pelo padrinho mais poderoso do Centrão.
Meses depois, o cenário é outro. Lira, decepcionado com a falta de pulso do sucessor, se comporta como verdadeiro comandante da Casa. Age nos bastidores, ocupa espaços que caberiam ao presidente e, em várias ocasiões, impõe decisões que deixam Hugo Motta constrangido.
A cena da Anistia: a virada de jogo
Durante meses, Hugo Motta sustentou com firmeza que não colocaria a anistia de Jair Bolsonaro em votação. Repetia a frase com convicção, em público e em privado, como se fosse um ponto pacífico.
De repente, tudo mudou. Na véspera do julgamento do STF, Bolsonaro chamou Arthur Lira em sua casa. Quando saiu de lá, ao que tudo indica, Lira deu a ordem: Motta teria que pautar a anistia. E foi exatamente isso que aconteceu.
A mudança brusca expôs a fragilidade do presidente da Câmara. Ele sustentava uma posição firme, mas bastou uma reunião entre padrinho e ex-presidente para que recuasse sem resistência. A leitura em Brasília é que o verdadeiro dono da pauta é Arthur Lira, não Hugo Motta.

Caso por caso: os tropeços de Hugo Motta
A invasão da mesa diretora
Quando bolsonaristas ocuparam a mesa, Motta tentou reassumir a cadeira, mas foi impedido várias vezes. As imagens viraram símbolo de fraqueza. Alcolumbre evitou cena parecida no Senado. Lira jamais permitiria.
A novela da anistia
Antes da ordem de Lira, Motta já vivia o dilema de prometer atenção a governo e oposição, mas sem querer se indispor com o Supremo. A entrada de Davi Alcolumbre com um projeto alternativo no Senado só expôs ainda mais a paralisia do presidente da Câmara.
A mágoa do IOF
Em reunião com Fernando Haddad, Motta disse que não avançaria contra o decreto do IOF. Pouco depois, pautou sua derrubada. O governo nunca engoliu. Para José Guimarães, a diferença é clara: Lira, ao menos, avisava antes das más notícias.
O caso Carla Zambelli
Primeiro disse que a decisão ficaria restrita à mesa diretora, em sintonia com o Supremo. Depois recuou, atendeu à oposição e levou o caso ao plenário. Mais um recuo que mostrou falta de pulso.
A PEC da blindagem
A proposta tinha amplo apoio para avançar. Motta perdeu o timing, não articulou votos, não organizou a votação. Resultado: o texto acabou carimbado com a digital de Arthur Lira, mesmo após o fim do seu mandato.
A punição aos invasores
Esperava-se punição rápida aos deputados que invadiram a mesa. Motta empurrou o caso para a Corregedoria, que nada fez. Mais tarde, pautou a urgência de um projeto, mas nunca votou o mérito. O timing se perdeu de novo.
O fantasma de 2027
A leitura no entorno de Motta é de que ele tem estilo conciliador, menos truculento. Mas no Centrão e no Planalto a avaliação é outra: Arthur Lira continua mandando. Do apadrinhamento ao constrangimento, o que começou como mão no ombro virou tutela sufocante. E, em 2027, o padrinho pode ser também o algoz, retomando para si a cadeira que só emprestou. É esse o plano de Lira.