Apenas três deputados da Paraíba assinaram a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prevê o fim da escala 6×1 (seis dias de trabalho, um de descanso). Ruy Carneiro (Podemos-PB), Damião Feliciano (União Brasil-PB) e Gervásio Maia (PSB-PB), contribuíram para atingir o quórum de assinaturas necessário para começar a tramitar na Câmara dos Deputados.
O assunto é complexo e ainda causa polêmica. E, para entender bem essa PEC, recorremos a uma das melhores matérias publicadas na grande mídia, no jornal carioca ‘O DIA’, assinada pela jornalista Alexia Gomes.
Entendendo o 6×1
A proposta de emenda à Constituição (PEC) que pede o fim da escala de seis dias de trabalho para um de descanso (6×1) agita os debates nas redes sociais e divide opiniões de trabalhadores, empresários e políticos. De um lado, os defensores afirmam que a mudança é essencial para garantir mais tempo de descanso e qualidade de vida ao trabalhador. Do outro, os críticos demonstram preocupações com os possíveis impactos econômicos.
Inspirada pelo Movimento VAT (Vida Além do Trabalho), a PEC apresentada pela deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) propõe a redução da carga horária semanal de 44 para 36 horas, além da implementação de uma jornada de trabalho de quatro dias por semana. Até o dia 15 de novembro, a proposta já contava com 231 assinaturas. Para que uma PEC comece a tramitar no Congresso Nacional, é necessário o apoio de pelo menos 171 deputados.
A proposta conta com apoio popular. Uma petição criada pelo Movimento VAT, fundado pelo vereador eleito do Rio de Janeiro, Ricardo Cardoso Azevedo (PSOL), mais conhecido como Rick Azevedo, já reúne quase três milhões de assinaturas pelo fim da escala 6×1. O ativista ganhou projeção nacional após um desabafo em sua conta no TikTok, no fim de 2023. “É uma escravidão ultrapassada”, disse Rick na ocasião. O Movimento VAT tem organizado protestos em diversas cidades do Brasil, reivindicando o fim da escala.
Luta coletiva
Ao jornal O DIA, Rick Azevedo afirma que essa é uma “luta coletiva”. “Quem vive nessa realidade mal consegue dedicar tempo à família, cuidar da própria saúde ou planejar qualquer aspecto de sua vida fora do trabalho”, destaca o vereador eleito.
Rick também pontua que não se trata apenas de uma alteração na carga horária.
“A proposta em debate no Congresso busca reequilibrar essa equação, garantindo condições mínimas para que os trabalhadores tenham uma rotina mais humana e sustentável. Não se trata apenas de mudar a jornada, mas de reafirmar que o bem-estar do trabalhador é um pilar essencial de qualquer sociedade justa e produtiva”, ressalta.
A reportagem entrou em contato com o gabinete da deputada federal Erika Hilton, mas não obteve retorno até a publicação da matéria. O espaço segue aberto para manifestação.
Além do horário exaustivo, há quem enfrente uma jornada dupla, precisando conciliar o trabalho com os estudos ou até mesmo com as responsabilidades de mãe. A moradora do Rio de Janeiro e recepcionista Melissa Almeida, de 42 anos, ressalta que, apesar de gostar do que faz, há exaustão “física e mental”.
“Passo cerca de 12 horas por dia fora de casa. Quando chego, estou cansada demais para as tarefas domésticas. Não posso me dar ao luxo de sair para algum lugar, pois preciso descansar para o dia seguinte. Menos ainda tenho tempo de qualidade com meus filhos”, diz.
A recepcionista, que folga somente aos domingos, pontua que um dia na semana é pouco para descansar e cumprir as tarefas.
“Quando acordo no domingo de manhã, começa uma grande crise existencial. E, a partir daí, a dura decisão: aproveito meu domingo para descansar? Mas e a geladeira que precisa ser limpa? E a roupa acumulada para lavar? Talvez eu devesse fazer algo com a minha filha, já que quase não passamos tempo juntas. Mas e eu? Quando terei o meu momento de lazer para sair com os amigos e fazer algo divertido?” questiona Melissa.
Maria Clara Carvalho, de 19 anos, também enfrenta a jornada dupla, mas por conta dos estudos. A jovem trabalha como atendente de uma drogaria e cursa graduação em História. “Minha rotina é basicamente essa: saio de casa todos os dias às 8h e volto às 00h15.”
Maria Clara explica que a falta de tempo para focar nos estudos é um dos principais problemas da escala, mas também menciona o impacto na sua saúde. “A falta de tempo impede que eu consiga focar nos meus estudos e também prejudica um pouco a minha saúde, pois afeta meu sono devido ao horário em que chego em casa”, pontua a jovem.
“Ter um único dia de folga na semana é muito cansativo, pois as tarefas acabam se acumulando durante a semana e, além disso, fico muito cansada tanto fisicamente quanto mentalmente. Não consigo focar em tudo o que deveria fazer na minha folga”, diz a estudante, que tem o dia livre apenas às sextas-feiras e, uma vez por mês, aos domingos.
Quando questionada sobre o fim da escala 6×1, Maria Clara afirma que “acharia justo, visto que ela afeta a saúde dos trabalhadores em diversos aspectos de suas vidas”, mas também expressa preocupação com as possíveis consequências.
“Eu sei que isso envolve fatores que podem influenciar diretamente a economia do país, então tenho a noção de que é algo que afetaria a nação de forma significativa”, enfatiza.
A preocupação com os possíveis impactos econômicos tem dificultado o apoio à PEC. Organizações como o Clube de Diretores Lojistas do Rio de Janeiro (CDLRio), o Sindicato dos Lojistas do Comércio do Município do Rio de Janeiro (SindilojasRio) e a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) manifestaram-se contra o fim da escala 6×1.
Quem apoia e quem é contra
O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) afirma ao jornal O DIA que “tem acompanhado de perto o debate sobre o fim da escala de trabalho 6×1”. “O MTE acredita que essa questão deveria ser tratada em convenção e acordos coletivos entre empresas e empregados. No entanto, a pasta considera que a redução da jornada de 44 horas semanais é plenamente possível e saudável, diante de uma decisão coletiva”, diz a nota da Pasta.
O Sindicato dos Comerciários defende a redução da jornada e frisa que “quem trabalha nessas condições dificilmente consegue equilibrar as responsabilidades profissionais com a vida pessoal e as necessidades de descanso e cuidado com a saúde”. “É uma situação que provoca estresse, adoecimento físico e mental, além de fragilizar as relações familiares e sociais.”
Questionado sobre o apoio dos parlamentares, o Sindicato dos Comerciários conta que tem cobrado a bancada fluminense, mostrando dados e que a mudança será positiva para todos. “Os que ainda resistem, em geral, o fazem por falta de informação ou por conservarem uma visão ultrapassada, patrimonialista, de que nós trabalhadores já temos direitos demais e devemos ser levados a trabalhar até a exaustão. O que temos reparado, porém, é que a maioria dos parlamentares já está convencida da importância dessa mudança”, ressalta.
O Sindicato dos Comerciários também menciona uma experiência de 2023, no Reino Unido, na qual foi testada a jornada de trabalho de quatro dias por semana. “Durante seis meses, as empresas continuaram pagando 100% dos salários para os funcionários trabalharem 80% do tempo, ou seja, um dia a menos por semana. O resultado foi tão bom que, mesmo com o fim do teste, 91% das empresas decidiram continuar com o esquema. Ficou bom para todo mundo”, enfatiza.
O Clube dos Diretores Lojistas do Rio de Janeiro (CDLRio) e o Sindicato dos Lojistas do Município do Rio de Janeiro (SindilojasRio) se posicionam contra a mudança.
“A diminuição da jornada de trabalho sem a contrapartida da redução dos salários não afetará apenas o comércio, mas a todos os setores produtivos, pois impactará e comprometerá negativamente as condições de existência das empresas, sejam grandes, médias ou pequenas, de todos os setores produtivos, sendo as menores as mais sensíveis e vulneráveis tanto às mudanças da conjuntura econômica quanto do nível e formação dos custos”, afirmam em nota conjunta.
A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes, Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro, Confederação Nacional da Indústria e a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) também se posicionam contra a PEC.
De acordo com a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), “ao invés de gerar novos postos de trabalho, a medida pode provocar uma onda de demissões, especialmente em setores de mão de obra intensiva, prejudicando justamente aqueles que a medida propõe beneficiar”, destaca a CNC.