Num país onde a lógica política costuma andar de cabeça para baixo, o Congresso Nacional acaba de produzir mais um capítulo digno de nota. A CPMI do INSS, proposta para investigar fraudes e descontos indevidos em aposentadorias, uniu e dividiu partidos de forma curiosa. O único senador do PT a apoiar a criação da comissão contrariou o Planalto. E a única senadora do PL a não apoiar… contrariou o bolsonarismo.
De um lado está Fabiano Contarato (PT-ES), senador de perfil técnico, ex-delegado da Polícia Civil, professor de direito e especialista em violência escolar pela Fiocruz. Aos 58 anos, decidiu assinar o pedido de CPMI sem consultar o governo — e irritou colegas petistas, que trabalhavam para barrar a iniciativa e blindar o INSS. O Planalto, claro, não gostou da surpresa.
Do outro lado está Eudócia Caldas (PL-AL), mãe do prefeito reeleito de Maceió, João Henrique Caldas (o JHC), e suplente de Rodrigo Cunha (Podemos), que se licenciou do Senado para ser vice-prefeito da capital alagoana. Filiada ao partido de Jair Bolsonaro, Eudócia foi a única entre os senadores do PL a não assinar o requerimento da CPMI — proposta por ninguém menos que Damares Alves e pela deputada Coronel Fernanda, duas expoentes do bolsonarismo raiz.
O requerimento conta com 230 assinaturas na Câmara e 39 no Senado — número suficiente para sair do papel. Mas o que chama atenção é o jogo de espelhos ideológico: o petista que quer investigar o governo, e a bolsonarista que preferiu ficar de fora de uma comissão que tem tudo para atacar o governo Lula.
Entre a disciplina partidária e as dinâmicas locais, parece que cada um seguiu seu próprio roteiro. Contarato, com seu histórico de independência e atuação em pautas de controle e legalidade, provavelmente se guiou por convicções mais técnicas do que políticas. Já Eudócia, recém-chegada ao Senado, talvez tenha optado por um gesto de cautela diante do novo cargo e da convivência institucional com outros poderes — ou, quem sabe, por orientações do próprio filho-prefeito.
A CPMI do INSS ainda nem começou, mas já carrega um enredo digno de novela: tem traição, tem rebeldia, tem mistério. E, como sempre na política brasileira, tem protagonistas que desafiam qualquer cartilha ideológica.