Uma força-tarefa que mobilizou mais de 600 agentes públicos deflagrou, na manhã desta quinta-feira, 27, uma das maiores ações já realizadas contra crimes tributários e lavagem de dinheiro no setor de combustíveis no Brasil. A operação mira 190 alvos ligados ao Grupo Refit, controlador da antiga refinaria de Manguinhos, no Rio de Janeiro, e dezenas de empresas que orbitam o conglomerado.
O grupo, comandado pelo empresário Ricardo Magro, é apontado pelos investigadores como o maior devedor de ICMS do Estado de São Paulo, o segundo maior do Rio de Janeiro e um dos maiores devedores da União. Somados, os prejuízos causados aos cofres públicos chegam a R$ 26 bilhões. A defesa da empresa ainda não se manifestou.
Os mandados são cumpridos em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Maranhão e no Distrito Federal. A ação foi batizada de Poço de Lobato, referência ao local da primeira descoberta de petróleo no Brasil, em 1939.
Como funcionava o esquema
Segundo o Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos de São Paulo (Cira-SP), responsável pela operação, o grupo estruturou uma rede complexa de empresas interpostas para operar no mercado de combustíveis sem arcar com a responsabilidade tributária. Cada vez que o fisco paulista impunha novas restrições ou regimes especiais, surgiam novas companhias para manter o não pagamento de ICMS e dar continuidade às atividades do conglomerado.
Essa engrenagem, afirmam os investigadores, sustentava uma estratégia ampla de sonegação, lavagem de dinheiro e blindagem patrimonial. Vínculos societários cruzados, simulações de operações interestaduais e uso de colaboradores que figuravam como “laranjas” dificultavam o rastreamento da cadeia de comando.
Os tentáculos financeiros
A investigação identificou que empresas do grupo importaram mais de R$ 32 bilhões em combustíveis entre 2020 e 2025 ― nafta, hidrocarbonetos e diesel. Essas importadoras funcionavam como intermediárias fraudulentas, adquirindo produtos no exterior com recursos de formuladoras e distribuidoras pertencentes ao próprio conglomerado.
A movimentação financeira alcançava fundos de investimento, holdings, offshores e instituições de pagamento. Uma operadora financeira considerada “mãe” controlava diversas “filhas”, repetindo o modelo revelado na Operação Carbono Oculto, deflagrada em 2025. Só essa estrutura movimentou mais de R$ 72 bilhões entre o segundo semestre de 2024 e o primeiro semestre de 2025 e mantinha 47 contas bancárias vinculadas ao grupo.
A Receita Federal já identificou 17 fundos de investimento ligados ao conglomerado — a maioria fechados, com um único cotista — que juntos somam patrimônio líquido de R$ 8 bilhões. A avaliação dos investigadores é de que esses fundos serviam para reinserir no mercado valores obtidos ilegalmente, mascarando a origem dos recursos.
Conexões internacionais
As apurações também encontraram fortes ligações com o exterior. Segundo a Receita Federal, empresas criadas em Delaware, nos Estados Unidos, atuavam como sócias e cotistas do grupo. Por serem constituídas em jurisdição de baixa tributação e com regras mais flexíveis, essas entidades podiam operar sem pagar tributos nem nos EUA nem no Brasil, uma prática comum em esquemas de lavagem ou blindagem patrimonial.
Outra frente relevante do esquema foi a compra de uma exportadora em Houston, no Texas, usada para importar combustíveis que totalizaram R$ 12,5 bilhões entre 2020 e 2025. Pelo menos 15 offshores nos EUA foram identificadas enviando recursos para aquisição de imóveis e participações no Brasil. Também houve envios superiores a R$ 1,2 bilhão ao exterior por meio de contratos de mútuo conversíveis em ações, permitindo que o dinheiro voltasse ao país como falso investimento estrangeiro.
Rastrear para recuperar
Para tentar reaver parte do prejuízo milionário, foram adotadas medidas judiciais de bloqueio que somam cerca de R$ 10 bilhões. São R$ 8,9 bilhões em decisões da Justiça paulista e R$ 1,2 bilhão em ações na Justiça Federal, que incluem sequestro de bens, bloqueio de contas e restrições patrimoniais impostas a integrantes do grupo econômico.
A operação envolve o Ministério Público de São Paulo, a Receita Federal, as secretarias da Fazenda do Estado e do município de São Paulo, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, a Procuradoria-Geral do Estado de SP e as polícias Civil e Militar. Ao todo, 621 agentes participam da ofensiva.
A investigação segue em andamento. A Refit e seus representantes legais ainda não se pronunciaram.