O movimento do governo para conter o avanço do projeto de anistia aos investigados de 8 de janeiro passa por uma estratégia clássica de aproximação: diálogo direto com o relator e líderes partidários. Lula aposta no poder de persuasão pessoal — que já foi eficaz em outras circunstâncias — para tentar neutralizar a ofensiva bolsonarista no Congresso. Mas, desta vez, o desafio é de outra natureza: trata-se de um embate menos político e mais simbólico, em que o discurso institucional pode não ser suficiente para conter interesses já cristalizados.
Agora que passou o feriadão da Páscoa – numa estratégia semelhante àquela que foi adotada com Alcolumbre, no Senado – Lula tentará convencer Hugo Motta e deputados da base sobre os riscos jurídicos, políticos e institucionais de aprovar uma anistia ampla. Gleisi Hoffmann, ministra das Relações Institucionais, já deixou claro que o governo não pretende agir de forma retaliatória, mas aposta na conscientização dos parlamentares para barrar a proposta.
O argumento jurídico — de que a anistia poderia comprometer a credibilidade do Congresso e abrir precedentes graves — é sólido. Mas o contexto atual é desfavorável. O bolsonarismo ainda mantém forte influência em setores expressivos da Câmara, e parte do centrão vê na aprovação da anistia uma oportunidade de acomodar a pressão de suas bases eleitorais, que ainda são majoritariamente simpáticas ao ex-presidente.
O plano B do governo, de jogar o pedido de urgência para o fim da fila — lembrando que existem mais de dois mil requerimentos pendentes —, revela a percepção interna de que o convencimento político pode não bastar. Trata-se de uma tática de obstrução procedural, que depende menos da adesão política e mais da inércia legislativa. Ou seja, é uma aposta em “ganhar no cansaço”.
O principal risco dessa estratégia dupla é a falta de controle sobre a dinâmica da Câmara. Uma articulação eficiente da oposição, aliada a traições eventuais dentro da base governista, pode recolocar o tema da anistia em pauta a qualquer momento. Além disso, a associação direta da proposta a Jair Bolsonaro, embora forte do ponto de vista narrativo, pode ter efeito limitado em um Congresso onde o bolsonarismo ainda dita o comportamento de muitos deputados.
A dependência excessiva de estratégias individuais — como jantares, alertas pontuais e narrativas de desgaste — revela também uma limitação estrutural do governo Lula 3: a dificuldade de consolidar uma base congressual coesa em torno de princípios institucionais, e não apenas de benefícios imediatos.
Se o jantar fracassar e o projeto avançar, o governo sofrerá um duplo revés: enfraquecerá seu discurso de defesa da democracia e, ao mesmo tempo, exporá sua fragilidade no jogo de forças do Legislativo. O desfecho dessa crise pode ser um divisor de águas, não apenas para o futuro da responsabilização dos golpistas, mas para a própria capacidade do governo de resistir a novas ofensivas bolsonaristas ao longo do mandato.