O que começou como uma megaoperação policial contra o crime organizado transformou-se, em poucas horas, numa guerra política entre o governo federal e o Palácio Guanabara. A ação deflagrada nesta terça-feira (28) no Rio de Janeiro, com saldo oficial de 64 mortos, 81 presos e quatro agentes mortos, colocou o governador Cláudio Castro (PL) e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em campos opostos de um debate que vai muito além da segurança pública.
Com Lula fora do país, a ofensiva fluminense contra o Comando Vermelho rapidamente gerou um tremor político que ecoou em Brasília. A operação, considerada a mais letal da história do Estado, expôs as diferenças de abordagem entre um governo federal que defende planejamento e articulação nacional e um governador que acusa abandono e falta de apoio da União.
Em entrevista, Castro afirmou estar “sozinho” no combate ao crime e disse que o Rio teve pedidos de ajuda federal negados. O secretário de Segurança Pública, Victor Santos, reforçou a versão ao afirmar que o Estado não tem condições de enfrentar o crime organizado sem o apoio da União.
A resposta veio em tom institucional, mas não menos político. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, negou que o governo tenha recusado apoio e lembrou que a Constituição atribui aos Estados a responsabilidade primária pela segurança pública. “O combate à criminalidade se faz com planejamento, inteligência e coordenação”, disse o ministro, em clara indireta ao governador.
O impasse acendeu o alerta em Brasília. O vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) convocou uma reunião de emergência com Rui Costa (Casa Civil), Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) e técnicos dos ministérios da Justiça e da Defesa para discutir uma resposta oficial. A ordem foi evitar o agravamento da crise enquanto o presidente ainda está fora do país.
Mas a disputa já havia se espalhado pelo campo político. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), aliado de Castro, publicou nas redes sociais um vídeo com o título “Lula abandonou o Rio de Janeiro”, acusando o governo federal de negligência e defendendo o endurecimento das penas contra o crime organizado. A base governista reagiu na mesma intensidade. Deputados do PT e do PSOL classificaram as falas de Castro como “eleitoreiras” e acusaram o governador de antecipar a campanha de 2026 com discurso de confronto.
No Congresso, o episódio recolocou a chamada PEC da Segurança Pública no centro do debate. A proposta é vista pelo Planalto como uma tentativa de criar uma coordenação nacional entre União e Estados. Gleisi Hoffmann citou a tragédia nas redes sociais para defender a aprovação da medida: “Os violentos episódios desta terça-feira mostram a urgência de articular forças de segurança em todo o país. Somente o crime sairá perdendo.”
Para especialistas, o que se vê é mais uma politização da segurança pública. Carolina Ricardo, diretora do Instituto Sou da Paz, avalia que as alegações de falta de apoio revelam divergências ideológicas entre o governo Lula e o grupo de Castro. Segundo ela, operações de grande porte tendem a gerar impacto imediato, mas não desarticulam a estrutura do tráfico nem reduzem o fluxo de armas e drogas no longo prazo.
“A discussão sobre segurança está sendo usada politicamente. Parece mais uma disputa de narrativas do que uma busca por soluções concretas”, diz Carolina.
No fim das contas, a guerra travada nas ruas do Rio ganhou um segundo front — o das redes sociais e das declarações públicas — em que o combate ao crime virou pano de fundo para um embate que antecipa o tom da campanha presidencial de 2026.