O menino refez-se logo, apanhou a sacola e recolheu os lápis e cadernos espalhados na calçada. O pai, apesar de jovem, não conseguiu vencer o peso imenso que o impedia de levantar-se.
Agora o moleque se rasgava num choro de zanga, esperneava, sem querer subir de novo no bagageiro, depois que o pai se recompôs da queda, aprumando o guidão, fazendo tudo para que o filho voltasse às boas com ele.
O bichinho estava com medo, apavorado, sem mais confiança no pai. Este insistindo, esbravejando, e o moleque em pranto, saltando de um lado a outro para desvencilhar-se das investidas bêbadas do homem, que achava aquilo malcriação.
É nesse ponto que me acode a vontade de intervir. Quando o desconhecido se converte em próximo, parte legítima na vida do outro, transformada subitamente em drama humano.
– Um momento – entro eu, envolvido, mas sem saber ainda o que fazer. Era madrugada, como se lembram. Como ajudar? Negociar com o bêbado a guarda do menino até o dia seguinte? Ao pai faltava tino para entender. Alugar um táxi e mandá-los juntos para casa? E a bicicleta, onde guardá-la? Eram problemas que iam se acumulando na minha vontade ainda duvidosa. Na verdade, não me chegara a resolução pronta, indiscutível.
E terminei fazendo o que a maioria sempre faz, deixando tudo como estava e seguindo para casa. “Afinal, são bilhões de problemas…” Fui à frente, já não eram horas de ficar ali parado, nenhum sinal de polícia nem de guardas ou seguranças, vigilantes como são hoje chamados.
Saí sem deixar de olhar pelo retrovisor.
Chegaram as horas da noite, da madrugada chuvosa e fria e terminei não conciliando o sono. Como e onde estará aquele molecote?
Levantei-me, vesti o casaco e saí a pé até a esquina onde deixara o problema. Ficava a uns duzentos metros.
E para descanso meu, lá estavam pai e filho a sono solto ao pé da marquise. Apenas os respingos de uma nuvem recente e a ausência da bicicleta, que era o menos.