sexta-feira, 5 de dezembro de 2025
Trumpismo, uma expressão contemporânea do fascismo
19/08/2025

O filósofo e literário Umberto Eco (1932-2016) foi uma das mentes mais lúcidas do século XX. Ao lado de romances memoráveis como “O Nome da Rosa” o italiano produziu importantes reflexões sobre a vida política e social, dentre as quais a noção do “fascismo histórico” ou “fascismo eterno”.

Para Eco, essa expressão perene do fascismo é identificável por algumas características exteriores, como distorção da verdade, populismo e nacionalismo ufanista, combinado com fartas doses de irracionalismo político, militarização e obsessão conspiratória, sempre pronta a identificar inimigos internos ou externos.

O trumpismo e as novas expressões do fascismo, o chamado neofascismo, têm muitas características semelhantes. Dentre elas estão o autoritarismo e o ultranacionalismo, bem como a aversão xenófoba aos imigrantes, aos diferentes. O decantado programa MAGA, uma clara revisão da Doutrina Monroe, vem impondo “tarifaços” sobre países como Brasil e Índia, sócios nos BRICS, além de explorar o descontentamento econômico e social havido especialmente entre a população mais pobre. O ressentimento é um dos pilares históricos do fascismo.

Outro ponto importante é a rejeição raivosa ao sistema político, com críticas frequentemente infundadas às instituições e às elites políticas ditas “tradicionais”. Com uma linguagem vaga e ambígua, que busca ocultar a verdade, a metralhadora retórica do trumpismo sempre enxerga corrupção política, perseguições abjetas e fraudes eleitorais, mesmo que as provas nunca apareçam. Da mesma forma, propala teorias da conspiração que, notadamente pelas redes socais, alimentam a desconfiança popular na ciência, na cultura e na educação, bem como nos intelectuais e na mídia tradicional. Todos são inimigos.

Um dos elementos que conecta mais fortemente o trumpismo ao fascismo é o apelo a uma identidade nacional WASP (branca, anglo-saxão e puritana), evocando sua grandeza histórica e as ameaças à sua homogeneidade étnico-racial. Xenófobo, o trumpismo aponta para “terríveis” inimigos externos, sejam os chineses ou imigrantes, que ameaçam a pureza americana. Essa retórica, virulenta, não é nova e já serviu de base para a união do povo alemão contra judeus, negros e outras minorias. O ideal supremacista, que caiu feito uma luva no combalido ego alemão nos anos 1930, hoje ressurge na América.

Outra conexão interessante liga o fascismo às crises cíclicas do capitalismo. Se na primeira metade do século passado países como Itália e Alemanha viviam às margens da prosperidade capitalista dissipada pela Primeira Guerra e pela Crise da Bolsa de Nova York (1929), hoje o fascismo pulula em uma Europa estagnada economicamente e rebaixada geopoliticamente, sem a projeção de outrora. Algo similar ocorre nos Estados Unidos, premido pela ascensão da China e de outras economias asiáticas.

Assim, a retórica antiliberal, o retorno ao protecionismo agressivo e a guerra tarifária que hoje marca a “diplomacia das ameaças” de Trump contra o mundo, se somam aos ataques ao multilateralismo e às instituições da governança global, notadamente a ONU e a OMC. Embora tenham impulsionado a globalização e sua ideologia, o neoliberalismo, hoje os Estados Unidos e alguns de seus parceiros históricos, notadamente a Inglaterra, estão sobrepujados pelo dinamismo de países como China, Índia e Indonésia, cujos investimentos em ciência, inovação e tecnologia são gritantes, como gritantes são seu crescimento econômico e comercial.

Enfim, é nítido que nas últimas décadas, o velho fascismo vem reconquistando espaços e adeptos em diversas latitudes. Na Alemanha, neonazistas bradam aos ventos “pérolas” reacionárias como “Não vote verde” ou “Homens de verdade estão na extrema direita”. Na Itália, a jornalista Giorgia Meloni, hoje primeira-ministra, já disse que “Mussolini foi um bom político”. No Brasil, onde o Integralismo foi uma das maiores expressões do fascismo fora de Europa no século passado, a extrema-direita também avança, em que pese a vitória de Lula nas eleições de 2022.

Mas muitos ainda se surpreendem com a associação entre a América e o fascismo. Afinal, o país é visto como o bastião do “mundo livre”. Contudo, por ignorância ou conveniência, não associam movimentos como a Ku Klux Klan ao fascismo histórico, como ignoram a presença de movimentos político-partidários como o Bund Germano-Americano, organização nazifascista fundada em 1936, ou o Patriot Front, um grupo supremacista, antiliberal e ultranacionalista fundado em 2017. O fascismo americano existe no presente como existiu no passado. Todas essas instituições e pessoas, dentre tantas outras, alimentaram o fascismo nos Estados Unidos, fascismo que ressurge vigorosamente sob a liderança de Donald Trump.

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Renata Medeiros — Mestre em ciência política, advogada;
Lier Pires Ferreira
— PhD em Direito (UERJ). Pesquisador do NuBRICS/UFF.