segunda-feira, 31 de março de 2025
Trump, contra tudo e contra todos
18/03/2025

Trump parece cada vez mais uma personagem ficcional, cujo ego não cabe em si. Mimado, vem confrontando aliados e adversários com a fleuma de quem está acima do bem e do mal. Empoderado, impõe novas tarifas aos principais parceiros comerciais dos EUA, da China ao Brasil, incluindo Canadá e México, sócios no acordo de livre comércio da América do Norte. Além disso, vem ameaçando a integridade territorial de países como Canadá, Dinamarca e Panamá, além de estabelecer novas tensões com o Irã.

Mas as tensões internacionais satisfazem ao ego de Trump. Internamente, o presidente vem confrontando os poderes constituídos, em especial quando trata de sua maior obsessão: os imigrantes. Inimigos privilegiados do novo presidente, eles estão na alça de mira de Donald Trump. Em 21 de janeiro, logo após sua posse, Trump declarou que iria retirar a nacionalidade originária dos seus filhos, negando-lhes um direito constitucional que não pode ser revogado por mero ato do Executivo. Pressionado pelo Judiciário, recuou.

Agora, pondo em marcha a mais controvertida política migratória das últimas décadas, acaba de deportar mais de 200 venezuelanos para o Centro de Confinamento do Terrorismo (CECOT), a controvertida prisão de segurança máxima de El Salvador. Essa mega-prisão tem capacidade para receber até 40.000 presos. Em suas dependências, a luz nunca se apaga, os carcereiros estão sempre armados e encapuzados, e os prisioneiros confinados em celas altas, com camas de ferro, sem colchões, diuturnamente monitoradas por câmeras de segurança.

A “hospedagem” dos venezuelanos no CECOT custará US$6 milhões/ano aos contribuintes americanos. Pela ociosidade da carceragem salvadorenha, é possível que essa “Alcatraz dos Trópicos” ainda receba muitos outros indesejáveis. Os venezuelanos deportados – alguns com suspeita de terem nascido nos Estados Unidos – são acusados de pertencer ao Tren de Aragua, uma organização criminosa que surgiu em 2014, na prisão de Tocorón, em Aragua, estado venezuelano banhado pelo Mar das Caraíbas. Tal como o Comando Vermelho, no Rio, ou o PCC, em São Paulo, o “Tren” venezuelano foi parido nas entranhas do cárcere e prosperou, passando a atuar além das fronteiras do país, agindo com violência e explorando negócios ilícitos como tráfico de drogas, imigração e exploração sexual.

Por evidente, não se trata de endossar a atuação do grupo, mas parece claro que essa deportação ofende aos Direitos Humanos e agride a legislação norte-americana, alcançando, inclusive, adolescentes entre 14 e 18 anos. Além disso, deixará os presos confinados em um país estrangeiro, em condições sub-humanas, afastados da família e sem quaisquer garantias processuais. O fundamento legal evocado pela Casa Branca para justificar sua conduta foi a “Lei de Inimigos Estrangeiros”, de 1798, que jamais havia sido utilizada em tempos de paz, estando sem uso desde a II Guerra Mundial (1939-1945). “Pode isso, Arnaldo?”

Pela gravidade do ato e pela excepcionalidade de seu fundamento, o juiz federal James Boasberg decretou a suspensão da deportação por cerca de 15 dias. Todavia, Trump parece ter ignorado a ordem judicial e deportou os imigrantes, muitos sem sentença condenatória definitiva. O desrespeito do presidente a uma ordem judicial, se confirmado, é uma transgressão grave, que pode gerar um hoje improvável pedido de impeachment.

A insana luta de Trump contra tudo e contra todos já produz abalos em sua imagem. Na semana passada, o instituto Nate Silver apontou que a reprovação (48,1%) ao seu governo superou pela primeira vez a aprovação (47,9%). Em sentido reverso, líderes de países-alvos da fúria trumpista, como Justin Trudeau (Canadá), Claudia Sheinbaum (México) e mesmo Volodymyr Zelensky (Ucrânia), desmoralizado ao vivo durante uma reunião na Casa Branca, tiveram seus índices de aprovação majorados, num claro efeito de mobilização patriótica.

A política ensina que não há poderes absolutos sob o céu. Por isso, Maquiavel alertava sobre os riscos do “príncipe” ser odiado pelo povo. A metralhadora giratória de Trump funcionou muito bem durante a campanha eleitoral, mas é hora de descer do palanque. Os primeiros sinais de insatisfação dos americanos estão potencializados por insatisfações vindas de outros países, inclusive do Brasil, onde o alinhamento ao governo Trump, antes um mantra conservador, começa a ser questionado até por forças à direita do espectro político. Valdemar Costa Neto que o diga.

Confrontando “gregos e baianos”, Trump pode estar cavando a própria sepultura. Seu ego inflado lhe impõe certa cegueira política, conferindo a falsa impressão de que pode fazer tudo a todos, sem pesar consequências. Nesta trilha, tende a desgastar rapidamente seu capital eleitoral, isolando a América e contribuindo para seu apequenamento político. Rússia e China agradecem, aguardando de camarote a queda do império americano.

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Lier Pires Ferreira — PhD em Direito (UERJ). Pesquisador do NuBRICS/UFF;
Renata Medeiros — Mestre em ciência política, advogada.