“Toda idade pode ser encantadora, desde que se viva dentro dela.”
Brigitte Bardot
Viver dentro da própria idade é aceitar o milagre de estar presente. É ser contemporâneo de si — não do que se recorda nem do que se espera. A lembrança costuma embelezar o que já não existe; a esperança, adiar o que já é possível. Mas a vida, em seu desassombro, só se deixa tocar pelo instante.
E talvez seja esse o segredo que Bardot, sem perceber, nos ensinou: a beleza verdadeira não mora no tempo, mora na presença.
Ela está muito doente e internada em um hospital na França.
BB estava nas revistas que passavam lá em casa, com aquela beleza invulgar, incensando a santidade. Fui reencontrá-la numa citação do meu livro de inglês (Let’s Have Fun, Book One, Yázigi Method) da 5ª série.
A professora, Dona Ísis, tinha o charme glamouroso dos anos 60 — batom marcante, voz pausada e um cigarro aceso, segurado por uma longa piteira entre os dedos — e costumava colar cartazes com as imagens da aula na parede, enquanto lia:
Brigitte Bardot. She is a movie star.
Pelé. He is a soccer player.
Roberto Carlos. He is a singer.
Com o tempo, eu soube da passagem — demorada e marcante — de BB pelo Brasil, em 1964, nos dias em que ocorria o Golpe Militar. Há uma frase simbólica atribuída a ela
“Adorei a revolução de vocês. Não houve tiros.”
Disse isso, ou algo parecido, enquanto o país mergulhava na ilusão de uma revolução sem sangue.
Enquanto esteve no Brasil, Brigitte Bardot caminhou descalça pelas areias de Búzios, sem imaginar que estava refazendo a geografia simbólica do país. Veio buscar silêncio e acabou descobrindo um mito.
A vila de pescadores virou vitrine do paraíso; e ela, que fugia dos holofotes, criou novos. Hoje há ali, na Orla Bardot, uma estátua de bronze — feita por Christina Motta — onde BB aparece sentada, chapéu e cabelos ao vento, olhando o mar. É como se esperasse o barco que a trouxe: uma deusa em exílio de si mesma.
Depois, eu vi alguns dos filmes que ela fez e a ouvi cantando — inclusive músicas brasileiras, como Maria Ninguém, que ficou linda na voz dela, com aquele acento ainda adolescente.
Como dizia o Padre Vieira: “A beleza folga os olhos.” Olhar para BB dava o conforto de um colírio natural.
Ela resolveu ser ambientalista e protetora dos animais, rejeitando qualquer intromissão plástica ou cirúrgica em sua beleza — que sustenta, altiva, até depois dos 90 anos, numa redoma brilhante.
Dizem ser dela a impactante frase:
«J’ai donné ma jeunesse et ma beauté aux hommes; je donne ma sagesse et mon expérience aux animaux.»
A frase resume o percurso inteiro: a mulher que deu o corpo à arte devolveu o espírito à vida.
A internet permitiu resgatar imagens suas ainda mais belas que as das revistas da minha juventude — inclusive uma ao lado de Picasso — e outras tantas de toda a sua vida. Há uma delas que me emociona de modo especial: minha neta, Any, parece muito com ela.
Ela e Alain Delon destacavam-se nos anos 60 pela invulgar beleza e sugeriam um casal perfeito (que não eram).
O retiro dela não foi tão impactante quanto o de Greta Garbo, Marlon Brando ou Hesse — as divindades supremas —, mas continuou, perfeitamente canonizável, como diria o professor de Filosofia, Trogo, sobre Sartre, nessa hiperdulia.
Uma das questões vestibulares ao paraíso será:
“Você viu ou lembra de Brigitte Bardot?”
