Seu Manitom e a mulher que só “morreu” duas vezes
As dores do parto têm culpados desde Adão, Eva, a serpente, a árvore e a maçã até o mal.
Há versões, as mais diversas, para a expulsão do paraíso, mas “bater o ponto” e “o parto” são as suas consequências imutáveis, desde a origem.
Pode ter sido Mãe Duvirge, ou Seu Romeu, o anjo encarregado da cena na casa de Seu Manitom: a do primeiro parto de Dona Evina, e do qual nasceu Léa. Consultado sobre o fato, Seu Irapuan negou que tenha sido ele.
Imaginava-se que Manitom era uma contração de Manoel Antônio. Não! Não era. Mesmo que o pai e o avô dele fossem chamados de Manoel e Antônio, respectivamente Toda a região da bacia do riacho sabia que aquele era um “homem de uma só palavra”.
Pouco dialógico, Seu Manitom costumava cuidar “dos dois lados da conversa”, logo depois que ouvia as primeiras palavras do seu proposto interlocutor; interpretava o silêncio dos hiatos respiratórios. Ele quem foi à cidade chamar a “parteira” para o nascimento de sua primeira filha: a Léa, dessa história.
A chegada da parteira aliviou a vizinhança de poucas casas no Sítio das Avisada. Donevina (assim a gente ouvia o seu nome) gritava da pena de Eva, a primeira mulher. Mas gritava para quem quisesse ouvir — ou não.
Aquilo deixou Seu Manitom “pelos cascos”. Já passara do constrangimento e caminhava para uma desmoralização. Era como ele pensava.
Quando Mãe Duvirge entrou, indicada até à porta pelo marido, a parturiente aproveitou o que dele a fresta mostrava e largou seu último grito:
— A culpa é sua, se eu morrer deste parto!
Depois dali, só se ouviu um entrar e sair de gente com panos ensanguentados e água quente, e o choro pouco de uma criança: Léa nascera saudável e mais puxada ao pai.
A mãe só respirava o seu silêncio cansado de todos os gritos.
Quando se ocupa do espaço do som em volume alto, o silêncio dilata as oiça. Logo depois daquele parto, no Sítio das Avisada, em Jatobá, teve gente que ouvia pensamento calado.
Parece que o tempo ficou parado, até que, passados mais de noventa dias, e por ocasião do batismo de Léa, Donevina preparou, no cair da tarde, um café diferente, com uns sequilhos de goma e se arrumou para uma conversa atrasada — e oferecida.
Seu Manitom serviu-se, continuou calado e armou a rede na sala, onde dormia desde o nascimento de sua única filha.
Dizem que Dona Evina até falou, com ar de arrependida em tentativa de suicídio:
— Cumpade Manitom, venha pro nosso quarto!
Ao que ele respondeu:
— Para isso, você tá morta.
Negou-se a dormir no plural.
Aquilo durou mais uns 50 anos, até quando Dona Evina morreu (a segunda, e definitiva, vez).
No velório, na capela da Boa Vista, as lágrimas mais sentidas eram de Seu Manitom, cuja solidão, agora, estava desacompanhada.