sexta-feira, 5 de dezembro de 2025
Revogação da Lei de Alienação Parental avança e especialistas alertam riscos à proteção de mulheres e crianças
29/11/2025

Advogada defende que norma é usada de forma distorcida e transfere às mães a culpa por falhas parentais paternas

A possível revogação da Lei de Alienação Parental (Lei nº 12.318/2010), discutida no Congresso Nacional, recolocou no centro do debate jurídico a forma como o sistema de Justiça trata conflitos de guarda e convivência, sobretudo quando há histórico de violência doméstica. 

De um lado, grupos defendem a manutenção da lei como instrumento de equilíbrio entre os genitores. De outro, órgãos públicos e especialistas apontam que a norma, na prática, tem sido usada para deslegitimar denúncias e transferir às mães a culpa por condutas paternas omissas ou violentas.

Para a advogada Victória Araújo Acosta, fundadora da VAA Advocacia e especialista em direito de família e violência doméstica, a lei precisa ser revogada. “O modo como a Lei de Alienação Parental vem sendo aplicada inverte a lógica da proteção. Em muitos casos, a resistência da criança ao convívio com o pai decorre de histórico de violência, negligência ou ausência paterna, e ainda assim a responsabilidade é deslocada para a mãe, sob a acusação de alienação”, afirma.

Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), compilados em levantamentos recentes, mostram que o número de ações de alienação parental registradas no Judiciário brasileiro cresceu de 401 processos em 2014 para mais de 5 mil em 2023, um aumento superior a dez vezes no período. 

A Defensoria Pública da União (DPU) publicou, em março de 2024, manifestação oficial recomendando a revogação do termo “alienação parental” do ordenamento jurídico brasileiro e orientando que a expressão deixe de ser utilizada por autoridades estatais e em políticas públicas. 

No documento, a instituição afirma que a teoria “não tem base científica” e que sua aplicação pode acentuar estereótipos de gênero, reforçar desigualdades e “obstaculizar denúncias legítimas de violência doméstica”, com violações aos direitos de crianças, adolescentes e mulheres.

Na avaliação da DPU, a forma como a lei vem sendo usada produz um cenário típico de violência processual: a vítima de violência doméstica, ao acionar o sistema de Justiça, passa a responder simultaneamente a acusações de alienação parental, sob o risco de perda de guarda ou de restrição de convivência.

Dra Victória aponta que diversas outras instituições muito sérias, nacionais e internacionais também identificam a problemática envolvendo a Lei de Alienação Parental, a exemplo do CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), que já se manifestou expressamente pela revogação de alguns itens da legislação, sem prejuízo de análise pela revogação da lei em sua integralidade, nos seguintes termos: “O Conanda, tendo em vista suas atribuições, visando à efetivação das normas que asseguram proteção integral, melhor interesse e absoluta prioridade de crianças e adolescentes, bem como seus direitos à convivência familiar e comunitária, sugere a revogação do inciso VI do artigo 2º e dos incisos V, VI e VII do artigo 6° da Lei n° 12.318 de 2010, sem prejuízo ao aprofundamento do debate acerca da possibilidade da revogação de outros dispositivos ou de inteiro teor da referida Lei da Alienação Parental.”.

A dinâmica, segundo aponta a especialista, é sempre a mesma: “Quando a mãe denuncia violência ou tenta proteger a criança em seu bem estar físico ou emocional, o processo se volta contra ela com base na alegação de alienação parental, estratégia frequentemente usada por genitores violentos, ausentes e irresponsáveis, que passam a controlar o discurso dos autos com base na LAP, legislação que nitidamente não protege crianças, mas ao contrário, a expõem a contextos de risco e vulnerabilidade. Isso revitimiza mulheres e enfraquece a proteção integral de crianças e adolescentes”, afirma.

O movimento pela revogação da lei também avança no Legislativo. No Senado, o Projeto de Lei 1.372/2023 propõe a revogação integral da Lei nº 12.318/2010 e já foi aprovado na Comissão de Direitos Humanos (CDH). A proposta parte do entendimento de que a legislação atual pode abrir brechas para que pais acusados de abuso ou violência utilizem a tese de alienação parental para reverter guardas ou desqualificar denúncias.

A advogada destaca ainda que o medo de sofrer uma acusação de alienação parental tem um efeito direto sobre a decisão de denunciar crimes. “Muitas mulheres deixam de relatar abusos, especialmente os de difícil comprovação imediata, porque sabem que uma das consequências previstas na lei é a alteração de guarda. Esse medo não é abstrato; ele aparece em relatos de atendimento e em decisões judiciais. Na prática, a norma cria um ambiente de contenção das denúncias e exposição de crianças à diversos tipos de violência”, avalia.

Válido lembrar que a exposição de crianças a convivências forçadas com o genitor, ou cenários que representem afronta ao bem estar emocional dos infantes também são formas de violência, mais precisamente violência psicológica ou moral. E a Lei de Alienação Parental favorece essa situação potencialmente danosa para as crianças, ao ignorar condutas paternas e transferir para a mãe e a criança todo o ônus das ações ou omissões do genitor. 

Dra. Victória Acosta traz, ainda, a informação de que o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de gênero assevera que a falsa acusação de alienação parental é comumente usada por genitores agressores, com o objetivo de tirar o foco de suas ações e amenizar as consequências do seus atos, culpabilizando a mãe presente pela resistência ou falas da criança. E tal atitude configura violência processual contra mulheres. 

Nesse contexto, Dra Victória defende expressamente a revogação da Lei de Alienação Parental, e que tal ato seja acompanhado pela implementação de instrumentos legais e de políticas públicas já previstos em normas existentes, como a escuta protegida de crianças, a atuação de equipes interdisciplinares nas Varas de Família e a aplicação consistente da Lei Maria da Penha nos casos em que a violência doméstica está presente. “O ordenamento jurídico brasileiro oferece instrumentos para proteger crianças e adultos em situação de vulnerabilidade. O que se exige é o uso coerente desses mecanismos, sem que uma lei específica, questionada por órgãos oficiais, opere como vetor de revitimização”, conclui.

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