- Por Higor Maffei Bellini
Sim, é isso mesmo que você leu no título. No futebol feminino brasileiro, ainda não há o pagamento do direito de arena. Todos os participantes de uma partida de futebol, independentemente do gênero, têm garantido o direito ao recebimento de um percentual sobre o valor pago aos clubes, pela transmissão dos jogos, conforme estabelecido na legislação, no chamado direito de arena.
O valor que as atletas devem receber é estipulado com base no total negociado entre o clube e os meios de comunicação responsáveis pela distribuição das imagens do evento, seja qual for o meio utilizado.
Conforme as leis Pelé e Geral do Esporte, as atletas têm direito a receber o equivalente a 5% (cinco por cento) do valor pago pelos direitos de transmissão, dividido entre as jogadoras que participaram do jogo, sejam titulares ou reservas.
Não devemos confundir o que é direito de arena: que a atleta recebe por estar relacionada para os jogos com imagens transmitidas (e que, na minha opinião, não deveria se limitar à TV, mas também incluir transmissões pela internet e aplicativos dos clubes), com o direito de licenciamento de imagem, que os clubes pagam (ou deveriam pagar) pelo direito de utilizar a imagem das atletas, seja para campanhas publicitárias ou de maneira institucional em suas mídias sociais. Na prática, contudo, o direito de imagem acaba servindo para reduzir o custo da folha de pagamento.
Para ser mais preciso na definição do direito de arena, vale a pena transcrever o texto legal, de ambas as leis, que explica o que vem a ser esse direito:
Na Lei Pelé:
Art. 42. Pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena, consistente na rerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que participem.
§ 1º Salvo convenção coletiva de trabalho em contrário, 5% (cinco por cento) da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais serão repassados aos sindicatos de atletas profissionais, e estes distribuirão, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo, como parcela de natureza civil.
Na Lei Geral do Esporte:
Art. 160. Pertence às organizações esportivas mandantes o direito de arena, que consiste no direito de exploração e comercialização de difusão de imagens, abrangendo a prerrogativa privativa de negociar, de autorizar ou de proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão e a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de evento esportivo de que participem.
§ 1º (VETADO).
§ 1º Salvo convenção ou acordo coletivo de trabalho em contrário, 5% (cinco por cento) da receita proveniente da exploração de direitos de difusão de imagens de eventos esportivos serão repassados pelas organizações esportivas de que trata o caput deste artigo aos atletas profissionais participantes do evento, proporcionalmente à quantidade de partidas ou provas por estes disputadas, como parcela indenizatória de natureza civil. (Promulgação partes vetadas)
§ 2º O pagamento da verba de que trata o § 1º deste artigo será realizado por intermédio dos sindicatos das respectivas categorias, que serão responsáveis pelo recebimento e pela logística de repasse aos participantes do evento, no prazo de até 72 (setenta e duas) horas, contado do recebimento das verbas pelo sindicato
As jogadoras já têm seus jogos transmitidos na televisão e na internet há muito tempo, mas não recebiam os valores referentes ao direito de arena.
Isso acontecia porque clubes, federações e confederações alegavam que os jogos eram transmitidos gratuitamente, apenas para divulgar o futebol feminino — ao contrário do futebol masculino, que movimenta valores bilionários.
Contudo, nunca houve comprovação dessa alegação. Os contratos de transmissão nunca foram apresentados às atletas, seus representantes ou advogados, tornando obscuro e incerto o direito das jogadoras ao recebimento do direito de arena.
Isso sempre me incomodou como advogado de atletas e profissional formado em gestão esportiva (sim, cursei mais de um curso, tanto na CBF quanto na Federação Paulista).
Mas, como quem procura acha, encontrei no balanço da Sociedade Esportiva Palmeiras a prova de que o clube recebeu valores pela transmissão dos jogos da equipe feminina, só não sei por qual competição foi.
Graças ao fato de o Palmeiras tratar cada equipe como uma unidade de negócios distinta, foi possível identificar esse pagamento. Nos demais clubes, o valor da televisão entra na contabilidade geral, tornando impossível saber quanto foi destinado ao futebol feminino.
Se um gigante do futebol como o Palmeiras recebeu por suas partidas femininas, os demais clubes, que estavam na mesma competição, também devem ter recebido, agora só precisamos saber com certeza qual é a competição.
Se o pagamento está comprovado, é importante que as atletas busquem seus direitos. Ninguém incluiria uma informação falsa no balanço de um clube, pois isso traria graves consequências para a instituição e seus administradores.
E se, por acaso, para a cobrança dos direitos de arena das atletas, houver a necessidade de travar o pagamento do direito de arena aos atletas do masculino, para que os responsáveis façam a diferenciação entre os valores pagos ao masculino e ao feminino, que aconteça, mas o que não pode acontecer é as atletas não receberem mais, por algo que é seu direito.
A questão que surge é: por que as jogadoras do futebol feminino ainda não tiveram acesso a esses valores? O passo agora é que cada atleta acione um advogado de confiança para exigir o pagamento do direito de arena a que tem direito.
Post scriptum
E que, de agora em diante, os clubes deixem de dizer que entregam de graça, como uma bonificação, os jogos das suas equipes para as empresas que irão transmitir os jogos do feminino, pelo fato de terem comprado os direitos do masculino. Não há razão lógica para se tratar empregados de formas diferentes em razão do gênero, não há por que elevar a remuneração do masculino com o direito de arena e não a do feminino. Pois tudo aquilo que se tem exposição na televisão tem valor de mercado.
E que se pare de dizer que se entrega de graça a transmissão para atrair patrocinadores para o feminino, pois se a simples exposição de marca, nos jogos e na televisão, trouxesse retorno para as marcas, o campeonato brasileiro feminino não teria perdido patrocinadores. Para que comece a cobrar pelos jogos do feminino, não na mesma proporção do masculino, mas que se comece a cobrar.