Sempre me pergunto, por que Filipeia?
Um batismo de sessenta anos, há quase três séculos e meio, e, foi não foi, o nome está de volta. É rara a recorrência saudosa, poética mesmo, que não venha encasquitada no topônimo dos nossos arcanos.
Felipe, que açambarcou Portugal, nos teria doado boas lembranças? Ao que se sabe, o domínio passou de uma coroa a outra, mas as Ordenações continuaram sem grandes diferenças em nosso favor. Ao contrário, pioraram. É possível que, se não estivéssemos sob o domínio de Espanha, a Holanda não houvesse realizado o estrago da invasão. Pelo menos nas terras da Paraíba para o norte, onde a marca foi só de destruição.
E por que essa recorrência de conotação amorosa? Sempre que se pretende um tom de afeto no discurso de louvação ou de saudade, a apelação é para a Filipeia. A prosa poética de Crispim tem uma floresta desses recursos. A poesia de Jomar nem se fala. Eu mesmo, sem nunca ter vivido nesta cidade e muito menos no seu ambiente cultural, saquei em cima da primitiva toponímia num poema de pé quebrado que tentava exprimir o mesmo deslumbramento com a “vila”. Digo vila pelo meu campinismo de então, estudando no Pio XI, torcendo pelo 13, vizinho de Pinta Cega e já me iniciando nas Boninas.
Desci na Praça do Pensamento, um largo de sombras frondosas e arquitetura clássica que me parecia saído do pincel de Pedro Américo, naquela minha hora de chegada, e reinei um poema louvador. Pois não é que, no primeiro jato, apareceu a “Filipeia”? Orlando Tejo, que guarda, por malvadeza, essa minha fraqueza, recitou-a outro dia, no café, a Filipeia repontando nos versos primaríssimos.
E onde fui buscá-la, se até ali não me enfiara em qualquer leitura histórica da cidade, vivendo além-Campina, sem a menor influência dos Celsos ou Coriolanos, forasteiros que mais construíram histórica e poeticamente a cidade, sacralizada, depois, pelo poema de Jomar.
Não há lógica para esse ressurgimento. Felipe não foi o fundador, não desembainhou por nós nenhuma espada, não nos mandou mais pólvora contra a Holanda que a outras capitanias. Por que a empatia desse nome? Na guerra da Conquista, quem faz carreira com medo do índio e não pára mais até Olinda é um súdito filipino. Por que esse apego ao topônimo espanhol nas invocações de compulsão lírica?
Agora mesmo, reunindo algumas crônicas tocadas de sentimento e de história pessoenses, não me veio outro título senão Filipeia e outras saudades.
Por que isso, Ascendino?