sábado, 13 de dezembro de 2025
O golpe liminar
08/12/2025

Quem vai dizer aos Constituintes Profanos do STF: “Puer, sacer est locus; extra mingito.”

Ulysses Guimarães chamava de “Os Três Patetas” aos militares que deram o golpe liminar de 1969, editando uma Constituição para emendar outra, já exigida por alguns deles em forma e substância. A comparação sempre me pareceu agressiva — aos nomes dos Três Patetas, que eram nossos heróis do riso.

Os militares que se acharam “Constituintes Profanos” eram o que havia de pior nas já combalidas Forças Armadas da época. Outros, ainda mais truculentos, haviam tomado o poder das mãos de Castelo e Alckmin. A vítima daquele instante foi Aleixo, vice de Costa e Silva.

A história resgatou uma ata com as conversas dos golpistas do momento. Ali, evocando — de forma imprópria — a tragédia Filoctetes, de Sófocles, que narra o abandono do guerreiro ferido pelos seus (mas com uma arma guardada), Jarbas Passarinho sintetizou o espírito do instante, ao dizer a frase que atravessou o século: “Às favas com os escrúpulos.” A História acabou tratando o golpe de 1969 como derivação do de 1967, que por sua vez foi filho do de 1964.

Há uma grande dificuldade à historiografia honesta (não encomendada nem agradável ao poder) para saber, no Brasil, quais são os golpes e, especialmente, os golpeados. É que esses aboletados nunca mudam — mudam apenas de cadeira. Os acadêmicos plantonistas tanto baratearam a palavra golpe, que os golpistas de 1964 já pousam de esquerdistas, aguardando o próximo – golpe.

É que golpes e exibição de covardia sobejam quando a insignificância toma assento na sala sagrada. É de chamar, novamente, Ulysses à baila. O senhor constituinte dizia, em latim, quando instado pelo atrevimento de algum arrivista, em ambiente impróprio: “Puer, sacer est locus; extra mingito” (Menino, o lugar é sagrado; vai mijar lá fora). Com isso, marcava um limite civilizatório simples: há temas que exigem grandeza; há mesas que não comportam aventureiros.

Os tempos atuais — por pieguice ou em cumprimento da profecia de Nelson Rodrigues — mostram que os idiotas tomaram a pauta. Não apenas por serem muitos, mas porque os qualificados se acovardaram e estão se preservando de debates insossos.

Há uma anarquia institucional no Brasil oficial — não por falta de ordem, mas pela existência de outra ordem paralela, feita para favorecer esse pacto de irrelevância, em uma esperteza histórica. Os juros continuam sangrando o orçamento da União, como os subsídios corroem a liberdade de iniciativa. Os que vivem do Estado se aboletam em cargos e financiamentos públicos, os espertos correm atrás de recursos fáceis, enquanto a pobreza — para continuar no mesmo padrão de há séculos — mendiga esmolas oficiais. O organograma dessa anarquia não poupa mais nada. Até os que pareciam naturalmente formados à oposição e à crítica usam, veladamente, a tinta oficial na caneta.

Personagens como Hugo Motta e Davi Alcolumbre não têm dimensão para os mandatos que exercem — e, tanto pior, para dirigir casas do Congresso Nacional. Em lugares que deveriam ser sagrados, não cabe a apologia da nulidade pública, nem que seja por brincadeira. Ao final, esses nomes passam — mas o dano fica para ser suportado por outros.

No Brasil oficial, ninguém derruba o sistema — apenas se reacomoda nele. A máquina continua, com graxa de juros e óleo de subsídios. Os acomodados se consorciam, os malandros acham recursos, os pobres se ajoelham, e a nação assiste à transmissão da própria irrelevância.

O melhor emblema é o Correio, que agoniza mortalmente, levando milhares de trabalhadores à vala do desespero. Mas a empresa é apenas o carteiro. A carta é outra: é a fatura que o futuro vai abrir — e o remetente somos nós. É de quem sabe que o futuro não perdoa — arquiva. Queria Deus que não sejamos convidados à leitura póstera.

Há quem queira comparar o STF com a seleção do 7 x 1, por serem 11. Mas, mesmo aí, seria agressivo aos jogadores — como Ulysses foi com os Três Patetas. No 7 x 1, ao menos, o vexame foi público, transparente e televisivo. Ademais, foi um jogo com regras, de 11 contra 11. Hoje, não há mais regras e o jogo é de 11 contra 230 milhões. O STF nem nesse jogo consegue empolgar.

O que o Gilmar Mendes fez com a Lei do Impedimento é um arrumado típico de quem não sabe distinguir palavras em frases — ou coisas mais primárias — em matéria constitucional. Essa conversa de “lei caduca” é tão balela inapropriada aos ouvidos de qualquer acadêmico de Direito que contraria o básico: norma não perece por desuso; silêncio do legislador não revoga texto; e jurisprudência não reescreve Constituição conforme o humor do plenário. A hermenêutica constitucional está degradada, na lama.

Imaginem-se dois casos graves: um, com o PGR. Quem o denunciaria? Ele mesmo? Imagine um caso grave — e são tantos já solicitados — envolvendo um ministro do STF. Como, por exemplo, um ministro que exige sigilo absoluto em um processo em que há interesse manifesto dele — talvez, mesmo, com muita satisfação a prestar. Fica impune, mesmo existindo lei definidora do tipo?

Aquele garoto iniciante do curso vai consultar sobre as fontes do Direito, e se um inglês ouve esse argumento, é remetido a 1215: quase um milênio, quando o mundo civilizado colocou o papel entre o rei e o súdito. É um paradoxo supremo.

Convenhamos: essas “invencionices” não podem sequer ser nomeadas, em respeito ao léxico. Enfim, ainda que sob o manto da tolerância, o lugar de arrivistas não é o sagrado.

Ah! Antes que me esqueça: Democracia continua sendo o governo do povo, pelo povo e para o povo (nada com excesso do povo faz mal à democracia; antes à justifica); Fascismo é o contrário: O governo do poder, pelo poder e para o poder.

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