terça-feira, 1 de abril de 2025
No rastro de Augusto
08/03/2025
  • Por José Nunes

O retorno ao Engenho Pau-d’Arco do cronista e jornalista José Lins do Rego foi uma viagem nostálgica pelo mundo do poeta Augusto dos Anjos, que havia morrido anos atrás e seu livro de poesia ainda não tinha recebido as aréolas da crítica.

         Aquele que ainda ruminava seus romances sobre o mesmo mundo dos engenhos das várzeas do Paraíba, esperando o tempo oportuno para escrevê-los, produziu uma bela página sobre esta viagem ao engenho onde nasceu o poeta do “Eu”.

         José Lins percebeu que o resto dos engenhos e da paisagem do poeta, onde viveu toda sua infância, ainda poderia ser salvo. Encontramos uma identificação telúrica entre ambos. O cronista descreveu com elegância o que seus olhos captaram durante este passeio e sua alma sentiu ao observar o restante da paisagem de Augusto.

Ambos são filhos dos canaviais, descendentes de senhores de engenhos que gozaram do apogeu e amargaram a decadência econômica e social.

         O artigo foi publicado no livro “Homens, seres e coisas”, no qual o autor de “Fogo Morto” descreveu tudo o que seus olhos captaram do velho Pau-d’Arco, desde a sonolência da paisagem até a rusticidade do conjunto arquitetônico em ruína, outrora berço do apogeu canavieiro. Apontou a aflição escondida no conjunto do cenário da vida do poeta. O texto contém caminhos para os estudiosos.

     José Lins apontou a escatologia da paisagem descrita com beleza poética por Augusto. A fisionomia das mazelas sociais com as quais teria convivido na infância está na obra do poeta, que ajudou a construir pelo modo que sentia e descreveu suas moções. Até mesmo o tom lírico das composições poéticas foi evidenciado pelo cronista. 

Como diria Goethe, “o poeta é que sobrevive”. Augusto sobreviveu ao seu mundo, a terra não foi o tema essencial da sua obra, mas foi para o autor de “Doidinho”. Porque “poeta é ser íntimo de Deus”, no dizer de Zé Lins, e Augusto desfrutou desta intimidade.

         Vivendo num lar que respirava cultura, Augusto bebeu na fonte o pensamento que brotava da Europa, num tempo em que a Pintura impressionava o fazer artístico, seduzia a Literatura e a Música, por extensão, a Poesia.

Augusto fez a experiência das revelações profundas do ser humano, foi tão grande quanto à arte poética. O pai lia Cícero e outros clássicos, “transformando a sombra benfazeja do tamarineiro numa escola socrática”.

Mas o engenho estava decadente, a produção de açúcar já não mantinha a lordeza da família. O Pau d’Arco se transformou em tristeza, lugar de refúgio para a dor do jovem poeta. A solidão e a amargura tomam conta dele. Andou pelas terras avoengas para apaziguar sua tristeza.

A família entristeceu, perdeu tudo o que tinha do engenho outrora frondoso e somente restou cantar essa dor. A dor que nos contagiou. A dor que o tornou imortal, tão imortal quando o autor de “Menino de Engenho”.

Compartilhe:
sobre
José Nunes
José Nunes

José Nunes é jornalista e membro da Academia Paraibana de Letras (APL).