sábado, 13 de dezembro de 2025
Manipular resultados é rasgar o contrato e acabar com a carreira no esporte
08/07/2025

Casos recentes envolvendo Ênio, Bruno Henrique e Lucas Paquetá, investigados por participação em esquemas de apostas esportivas, evidenciam um problema crescente: o aliciamento de atletas por organizações criminosas em um mercado bilionário. A manipulação de resultados compromete a confiança de torcedores, patrocinadores e do próprio sistema esportivo.

Diante desse cenário, o Direito Desportivo tem adotado posturas mais firmes. Um exemplo é a I Jornada de Direito Desportivo (IJDD), realizada em junho de 2025, que aprovou 40 enunciados com valor interpretativo. Entre eles, o Enunciado 10 se destaca ao classificar a manipulação de resultados como ato de improbidade, justificando a rescisão do contrato por justa causa.

Embora não tenha força normativa, o Enunciado 10 tem peso interpretativo significativo. Ele consolida uma diretriz que já vinha sendo adotada em decisões pontuais: a participação de atletas em esquemas de manipulação representa uma quebra irreparável da confiança com o empregador, justificando a dispensa imediata por justa causa. Na prática, isso permite que o clube encerre o vínculo sem pagamento de cláusula compensatória ou de salários futuros, desde que a infração seja comprovada.

O texto do enunciado é claro: “O ilícito de manipulação de resultados no esporte, cometido por atleta profissional, representa conduta gravíssima que leva à total quebra de fidúcia, suficiente a ensejar a dispensa por justa causa, por ato de improbidade, nos termos do art. 482, alínea ‘a’, da CLT, aplicado subsidiariamente, conforme autoriza o art. 85 da Lei nº 14.597/2023”.

Apesar da necessária punição, especialistas alertam que apenas a sanção não é suficiente. A responsabilização jurídica precisa estar acompanhada de ações educativas que considerem o contexto social e econômico dos atletas. É fundamental que o sistema esportivo invista em prevenção, promovendo a formação cidadã desde a base, para que jogadores saibam identificar e resistir às abordagens criminosas.

O papel do Direito, nesse contexto, vai além da função punitiva: ele também deve ser orientador, estabelecendo limites éticos e reforçando a cultura de integridade no esporte. O Enunciado 10 não inaugura uma nova punição, mas consolida uma linha já em curso no esporte brasileiro, ao reconhecer que o contrato de trabalho no esporte é, antes de tudo, um pacto de ética e confiança mútua.

Ainda assim, repressão e prevenção precisam caminhar juntas. Os clubes, federações e autoridades devem assumir responsabilidade ativa na formação de atletas, sobretudo os mais jovens, muitas vezes mal assessorados ou em situação de vulnerabilidade financeira, alvo fácil para aliciadores. A manipulação de resultados não é apenas um ato isolado de desvio de conduta, mas sintoma de um problema estrutural, alimentado por desigualdades e pela ausência de políticas de proteção eficazes.

A rescisão contratual por justa causa é apenas o início. As consequências incluem sanções esportivas, danos irreparáveis à reputação e, muitas vezes, o fim precoce de uma carreira. O esporte de alto rendimento é sustentado por um pilar frágil: a confiança. Quando ela se rompe, é quase impossível restaurá-la.

A dimensão do problema é ampliada pelo tamanho do mercado. Segundo dados da Associação Internacional de Integridade de Apostas (IBIA), da H2 Gambling Capital e do Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), o Brasil já é o quarto maior mercado de apostas esportivas do mundo, o que torna o país ainda mais vulnerável ao aliciamento de atletas por organizações criminosas.

Portanto, proteger a integridade esportiva requer enfrentar as causas estruturais do problema, promover educação ética no esporte e reforçar os mecanismos de prevenção. Quando o resultado de uma partida deixa de ser decidido em campo e passa a ser negociado nos bastidores, todo o sistema perde legitimidade, os torcedores são traídos, os patrocinadores lesados e os atletas honestos prejudicados. O futuro do esporte depende de ações firmes e coordenadas para proteger o que há de mais valioso em uma competição, ou seja, a credibilidade.

*João Antonio de Albuquerque e Souza é atleta olímpico, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestre em Direito e Justiça Social pela UFRGS. Atualmente, é Presidente do Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem (TJD-AD) e sócio fundador do escritório Albuquerque e Souza. Com expertise em Direito Civil, Trabalhista e Desportivo, sua atuação abrange temas como contratos e responsabilidade civil

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