sexta-feira, 5 de dezembro de 2025
Mandato remoto do exterior: há respaldo legal para a proposta em favor de Eduardo Bolsonaro?
04/06/2025

Um pedido inusitado movimentou os bastidores da Câmara dos Deputados nesta semana: o deputado Evair Vieira de Melo (PP-ES), aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, solicitou ao presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), que o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) possa exercer seu mandato diretamente dos Estados Unidos, para onde viajou após a escalada das investigações contra a extrema-direita brasileira.

Mas afinal: há respaldo jurídico para que um parlamentar atue remotamente e, mais ainda, fora do território nacional?

  1. Presença física e dever funcional: o que dizem a Constituição e o Regimento?

A Constituição Federal de 1988 estabelece as funções dos parlamentares no art. 55, que trata dos casos de perda de mandato, e no art. 56, que aborda hipóteses de licença e substituição. Nenhuma dessas disposições prevê a possibilidade de exercício remoto do mandato de forma contínua, tampouco a partir do exterior.

Já o Regimento Interno da Câmara dos Deputados impõe deveres regimentais, como a presença nas sessões deliberativas. O art. 10, inciso I, por exemplo, determina que é dever do parlamentar “comparecer às sessões da Câmara e às reuniões das comissões de que faça parte”. O não comparecimento por mais de um terço das sessões ordinárias, salvo licença ou missão oficial, pode levar à perda do mandato, conforme o art. 55, III, da CF.

  1. Licença e missão oficial: exceções com limites claros

A única hipótese em que o parlamentar pode se ausentar legalmente do país sem prejuízo de mandato está no art. 56, inciso III, da Constituição: quando se encontra em missão oficial autorizada pela Casa.

Ou seja, para que Eduardo Bolsonaro possa permanecer nos Estados Unidos sem sofrer sanções, ele precisaria estar em missão aprovada pela Mesa Diretora – o que não é o caso. O simples desejo de exercer o mandato remotamente por conveniência pessoal não está amparado por esse dispositivo.

  1. Pandemia como exceção extraordinária (e superada)

Durante a pandemia de Covid-19, o Sistema de Deliberação Remota (SDR) foi implementado de forma excepcional, amparado por ato da Mesa Diretora e resoluções específicas, como a Resolução nº 14/2020. Esse modelo permitiu votações virtuais e sessões remotas, inclusive para deputados que se encontravam fora do país em situações pontuais. Contudo, esse regime foi encerrado no contexto pós-pandemia, e a regra atual é o funcionamento presencial.

  1. Precedentes e riscos jurídicos

Não há precedente firme de parlamentar brasileiro exercendo todo o mandato do exterior. Qualquer autorização nesse sentido pode ser questionada por quebra de decoro, ausência funcional e desrespeito aos deveres constitucionais.

Além disso, poderia abrir um precedente perigoso: parlamentares escolhidos para representar o povo brasileiro dentro do território nacional passariam a atuar fora das fronteiras, sem supervisão direta e sem acesso pleno às atividades do Congresso.

  1. Conclusão: o mandato é do povo, e o povo está no Brasil

O pedido feito ao presidente da Câmara não encontra respaldo na Constituição nem no Regimento Interno. Para que fosse possível o exercício remoto e internacional do mandato, seria necessário alterar a própria legislação que rege o funcionamento do Parlamento.

O mandato parlamentar exige presença física, participação ativa nas votações e nos debates, interação com os colegas e fiscalização direta do Executivo. Nada disso é compatível com o exílio voluntário ou remoto.

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