O Brasil viveu nos últimos dias uma realidade inédita. “Pela primeira vez na história desse país” um ex-presidente se tornou réu por tentativa de golpe de Estado. E não foi só. Junto com ele entraram na mira da Justiça os oficiais-generais Augusto Heleno, Braga Netto e Paulo Sérgio Nogueira (Exército) e Almir Garnier (Marinha), além dos delegados Alexandre Ramagem e Anderson Torres. Os oficiais-generais também são os primeiros a enfrentar um julgamento criminal na justiça civil e não na justiça militar, onde costumam ser afagados pelos pares.
O acolhimento da denúncia da PGR pela 2ª turma do STF converteu todas essas autoridades em réus. A partir de agora, os acusados enfrentam um processo criminal, findo o qual poderão ser condenados ou inocentados. Duas grandes ironias marcam esse processo.
Primeiro, boa parte da acusação ocorreu em função dos arquivos recuperados no computador e no celular do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o onipresente tenente-coronel Mauro Cid. Mas onde está a ironia? Bem, as informações foram resgatadas por um programa israelense, o Celebritti, adquirido pela Polícia Federal exatamente no governo Bolsonaro. Segundo as más línguas, o programa foi comprado para investigar desafetos do então presidente, como o ministro Alexandre de Moraes.
Quer outra? O acolhimento da denúncia tem como base a Lei n. 14.197/2021, que revogou a Lei de Segurança Nacional, uma herança da ditadura militar, pela qual o capitão-presidente sempre mostrou especial admiração. Pois bem, essa lei versa precisamente sobre os crimes contra o Estado Democrático de Direito. Sancionada pelo próprio Bolsonaro, ela define, dentre outros, os crimes contra a soberania nacional e contra as instituições democráticas.
Em outubro de 2021, durante o I Encontro de Líderes Evangélicos, em Goiás, o então presidente, sem máscara, no auge da pandemia, disse vislumbrar três alternativas para o próprio futuro: “estar preso, estar morto ou a vitória”. Na ocasião, Bolsonaro enfrentava cinco investigações criminais, no STF e no TSE, inclusive por ataques às urnas eletrônicas.
Mas hoje o buraco é mais embaixo. Junto à vegetação rasteira que vem sendo condenada pelo Supremo, parece cada vez mais claro que a denúncia da PGR possui lastro jurídico. Se assim for, a condenação deverá ser rápida e certeira, pois o Supremo não deseja contaminar as eleições de 2026 com uma eventual condenação de Bolsonaro. Os “homens de preto” não querem replicar o quadro de instabilidade vivido em 2018, quando Lula, então líder das pesquisas, foi retirado da disputa, direto para a prisão em Curitiba.
Não é a primeira vez que Bolsonaro é réu. Nos anos 1980, o então jovem oficial do Exército foi acusado de planejar um atentado à bomba em unidades militares. Acossado pela investigação, Bolsonaro negou a autoria do plano, em que pese as provas grafotécnicas confirmadas pela Polícia Federal. Condenado em primeira instância, foi posteriormente absolvido pelo Superior Tribunal Militar, pelo placar de 8 a 4.
Dessa vez, se condenado, Bolsonaro poderá passar um bom tempo na prisão. Não por outro motivo, logo após ser tornado réu, o ex-presidente fez um longo e choroso pronunciamento, no qual ratificou sua inocência e total compromisso com a democracia. Ademais, declarou que a prisão seria “completamente injusta” e que representaria o “fim” da sua vida. Será?
Bolsonaro não tem a têmpera de Vargas e não parece inclinado ao martírio. Além disso, tem apoio político, embora poucos tenham acreditado em seus olhos lacrimejantes. Daí a suspeita de que, tal como seu filho, Eduardo, auto-exilado nos Estados Unidos, Bolsonaro pense em fugir da iminente prisão. Quais seriam suas alternativas?
Uma delas é o asilo diplomático. Sem poder viajar para o exterior, ele poderia pedir asilo nas embaixadas de países amigos, como os Estados Unidos, de Trump, ou a Hungria, de Orban. Outra é o indulto presidencial, pelo qual o futuro titular do Palácio do Planalto poderia extinguir sua condenação judicial. Se uma chapa formada por Tarcísio e Michele tiver êxito em 2026, algo plausível, Bolsonaro poderia abreviar sua temporada na prisão.
Mas hoje, o principal movimento do staff bolsonarista no Congresso é a PEC do Foro. Por meio de uma emenda constitucional, os aliados do ex-presidente tentam acabar com o foro privilegiado de autoridades no julgamento de crimes comuns no Supremo. Somente o presidente da República, o vice e os presidentes de poderes manteriam essa prerrogativa. Todos os demais seriam julgados pela justiça comum dos estados onde o crime foi cometido. Portanto, caso a PEC seja aprovada, como ex-presidente julgado em primeira instância pelo STF, o hoje choroso Bolsonaro poderia ser beneficiado, tendo suas condenações anuladas.