— Qual é teu pecado capital, Tranguelo? — perguntou Deolindo, servindo a branquinha e ajeitando o pano sobre o balcão, com aquele velho caroço vermelho pendurado na ponta do nariz como cereja de cana.
João Tranguelo coçou a barriga, arrotou discretamente e respondeu:
— Ora, seu Deolindo, eu vario conforme a lua. Segunda sou preguiçoso, terça fico irado com a novela, quarta a inveja bate quando vejo o açougue do vizinho cheio. Quinta me entupo de buchada, sexta penso besteira até com a comadre Cotinha. Sábado escondo o troco das crianças. Domingo… domingo sou soberbo, me acho o suprassumo da moralidade.
— E eu? — perguntou Deolindo, cutucando o próprio caroço. — Qual tu acha que é o meu pecado?
Tranguelo nem hesitou:
— O seu é fácil: avareza! Desde 1963 com esse caroço no nariz e nunca tirou porque “a cirurgia é cara”.
— Era cara!
— E hoje?
— Hoje é parte do patrimônio histórico da bodega. Se tirar, cliente vai embora achando que o balcão mudou de dono!
