A política, quando não é a mais bela das artes, é a mais baixa das profissões.
— Christiaan Barnard “apud” Irapuan Sobral, pai.
Li certa vez, na Veja, um texto sobre Ibsen Pinheiro, em que o autor — penso que foi J. R. Guzzo — comentava uma foto dele, Ibsen, jantando com más companhias num cruzeiro pelo Mediterrâneo.
A imagem foi usada pela “máquina gramsciana” de desconstrução de personalidades públicas, à época da simplória, venial e de juizado de pequenas causas “corrupção dos Anões do Orçamento”.
No texto, narrava-se o caso de um nobre francês, por meses recluso da fúria revolucionária, que decidiu sair ao sol e, numa taberna, pediu uma omelete. O taberneiro perguntou com quantos ovos ele queria a iguaria. O nobre, sem saber, chutou um número impróprio, bem a maior — digamos oito, pela força da cabala. O taberneiro desconfiou e o denunciou. O nobre perdeu a cabeça – pelo detalhe, aparentemente bobo.
A lembrança me levou a outro episódio, não menos trágico, mas de natureza cômica: o de Hegéloco, ator grego que, ao pronunciar errado uma palavra numa peça de Eurípides, transformou em riso o que devia ser lamento.
Curiosamente, a peça era Orestes, que trata do declínio moral e político da Grécia clássica.
Mesmo diante de quase vinte mil espectadores, no Teatro de Dioniso, a tragédia virou chacota.
O erro de Hegéloco representa o colapso da solenidade da tragédia. A palavra sagrada — antes ponte entre homens e deuses — tropeça, vira ruído. O sagrado cai no ridículo.
É quase uma parábola da própria Atenas no fim de uma guerra: a deusa envelhecida, trocando o mar pelo rato.
O nome Hegéloco significa “chefe de emboscada”. Dizia-se, na Grécia contemporânea, que, por seu erro, Eurípides caíra numa armadilha verbal. Ambos, autor e ator, tombaram no ridículo — e entraram para a história como piada.
O mais engenhoso émulo de Eurípides, Aristófanes, tratou de eternizar a cena em As Rãs. Lá, Dioniso desce ao Hades e encontra Ésquilo, travando com ele um duelo verbal para decidir quem é o verdadeiro mestre da tragédia. No meio da disputa, o nome de Hegéloco é lembrado:
“E aquele Hegéloco, hein? Que no Orestes disse que os marinheiros viram uma doninha em vez do mar calmo! Que bela calmaria essa!”
O teatro veio abaixo em risos — e Eurípides com ele.
Séculos depois, em outro palco — mais solene, convenhamos — o ministro Barroso decidiu sair do cômico pela tragédia, ou da tragédia pelo cômico. Poderia ter saído por onde entrou, mas preferiu ser lembrado pelo seu costumeiro “lapsus linguae”.
Não será recordado como jurista — sequer no conceito de que jurista é quem empresta direito à jura. Mas ninguém esquecerá frases de antologia: “Eleição não se ganha: toma-se!” ou “Perdeu, mané! Não amola” ou, enfim: “Você é uma pessoa horrível, uma mistura do mal com atraso e pitadas de psicopatia”.
Barroso talvez encontre uma escapatória olfativo-metafórica — mas de natureza escatológica, ou, quem sabe, magnífica.