Suspensão afeta segurança jurídica de milhares de imigrantes e levanta dúvidas sobre compromisso bilateral entre Brasil e Portugal
O governo português interrompeu, desde 16 de junho de 2025, a publicação de novas concessões do Estatuto de Igualdade de Direitos e Deveres a brasileiros residentes legalmente no país, sem apresentar justificativa oficial. A medida deixou milhares de solicitantes em um “limbo jurídico”, à espera da publicação no Diário da República, etapa necessária para o reconhecimento formal desses direitos.
Segundo Rita Silva, advogada internacionalista especialista em Direito dos Expatriados, o Estatuto da Igualdade é fruto do Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta de 2000, firmado entre Brasil e Portugal, e garante a brasileiros direitos civis, políticos, sociais, econômicos e trabalhistas equivalentes aos dos cidadãos portugueses. “Isso inclui votar, ser eleito, exercer cargos públicos e participar em igualdade no mercado de trabalho. Para obtê-lo, o residente deve solicitar o registro junto à Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) e aguardar a homologação oficial”, explica.
Segundo o Diário de Notícias Portugal, embora os despachos estejam suspensos desde junho, o acordo “continua vigente e não foi formalmente suspenso”, anuncia. Para a especialista, a distinção, contudo, pouco alivia quem depende do estatuto para acessar direitos. “Apesar de o acordo ainda valer juridicamente, sem a publicação no Diário da República esses brasileiros permanecem invisíveis, sem conseguir exercer os direitos assegurados pelo tratado”, afirma.
De acordo com o Ministério das Relações Exteriores do Brasil, o Itamaraty, havia cerca de 513 mil brasileiros vivendo em Portugal em 2023, configurando a segunda maior comunidade brasileira no exterior, atrás apenas dos Estados Unidos. Dados da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) indicam que 368.449 brasileiros tinham autorização de residência ativa, o que representa 35,3% da população estrangeira no país.
Além da presença numérica, a contribuição é expressiva: imigrantes, com destaque para os brasileiros, aportaram 2,7 bilhões de euros à segurança social em 2023, valor suficiente para financiar 17% das pensões nacionais, segundo dados do Ministério do Trabalho do governo luso. “Não faz sentido dificultar a integração de uma comunidade que já faz parte da sociedade e ainda ajuda a sustentar a economia portuguesa. A suspensão, ainda que temporária, gera insegurança jurídica e transmite uma mensagem de exclusão”, avalia Rita Silva.
A paralisação ocorre em um momento de reconfiguração da política migratória portuguesa. Rita explica que entre as mudanças recentes estão o fim da “manifestação de interesse”, mecanismo que permitia regularização sem visto ou contrato de trabalho; a criação de uma unidade especial da Polícia de Segurança Pública (PSP) para controle migratório e expulsões; a restrição do reagrupamento familiar apenas após dois anos de residência legal; e a possibilidade de aumento do tempo de residência exigido para naturalização de brasileiros, de cinco para até sete anos, conforme propostas em debate no Parlamento.
Rita argumenta que o governo não explica os motivos da suspensão, enquanto milhares de brasileiros seguem sem acesso pleno aos direitos previstos pelo Estatuto. A advogada explica que, na prática, essas pessoas vivem num limbo: estão legalmente no país, mas sem reconhecimento formal de direitos básicos. Isso afeta desde a possibilidade de exercer cargos públicos até a participação política. “Esse é um tratado que simboliza a proximidade histórica entre Brasil e Portugal. Se deixarmos que ele seja corroído por falta de transparência, estaremos abrindo espaço para crises maiores na cooperação bilateral”, finaliza Rita Silva.