Para Trump, o combate às drogas é uma política seletiva, a ser usada quando, onde e contra quem se quer, sem considerar a dinâmica do mercado globalizado e os múltiplos agentes internos que atuam nessa arena.
A visão de navios de guerra norte-americanos fundeados na costa da Venezuela traz à baila a velha política do “big stick”, o grande porrete com o qual a América, então grande, fazia a correição de Estados “malcomportados”. Embora anacrônica, essa nova visão do passado é plenamente compatível com o imperialismo de Donald Trump, um líder com pretensões autoritárias, cujo compromisso com a institucionalidade democrática é igual a zero.
Não há dúvidas de que o tráfico internacional de drogas deve ser combatido. Mas não há indícios sérios de que o regime madurista esteja ligado ao narcotráfico, mesmo que aqui e ali militares, policiais e políticos possam se locupletar com o tráfico de drogas, como acontece em tantos outros países, como Brasil, Colômbia, Paraguai e Estados Unidos. Sim! Lá também existe corrupção.
Neste contexto, as ameaças à Venezuela possuem outras nuances. Sob o império do MAGA, a política antidrogas dos Estados Unidos é uma extensão de suas ações econômicas e comerciais disruptivas, exemplificadas pelos “tarifaços” distribuídos a torto e a direito, em especial sobre países estratégicos como Brasil e Índia, parceiros no BRICS.
Vista também como uma antagonista da América, a Venezuela, por ser um importante fornecedor de petróleo para os Estados Unidos, ainda não foi atacada com “tarifaços”, mas, tem sua soberania aviltada por outros meios, sob a alegação não comprovada de ser um narcoestado. É importante dizer: assim como o Brasil, a Venezuela não produz drogas em larga escala. Na verdade, o último Relatório Mundial sobre Drogas (2025), das Nações Unidas, mostra o país não é mais do que uma rota de importância mediana para o mercado norte-americano, o maior do mundo, no qual muitos homens e mulheres, jovens ou não, estão afundados no consumo de drogas como álcool, tabaco, cocaína e opioides, sem que políticas públicas de saúde ou geração de trabalho e renda venham socorrê-los.
Se é verdade que o tráfico de drogas é uma ameaça à segurança americana, afetando sua estabilidade política, econômica e social, é certo que a liberalização dos mercados posta em marcha nos anos 1980 pelo republicano Ronald Reagan, tem sido um dos principais vetores dos comércios ilícitos. Sob o manto do neoliberalismo, que demoniza quaisquer controles sobre o capital, não há país que possa combater o narcotráfico com bravatas ou atos unilaterais. Estudos realizados por autoridades e centros de pesquisa em todo o mundo comprovam que o tráfico internacional de drogas só pode ser combatido por políticas globais ajustadas por diferentes autoridades nacionais em fóruns multilaterais.
O combate ao narcotráfico exige cooperação internacional, exige diálogo entre autoridades públicas e sociedades, em uma concertação multilateral efetiva, com a qual o autoritarismo de Trump não quer e não sabe lidar. Sob sua liderança, a política antidrogas norte-americana assume caráter cada vez mais discricionário, persecutório, sendo utilizada para pressionar ou punir antagonistas como Nicolas Maduro, à moda do que a Lei Magnitsky faz com o ministro Alexandre de Moraes. Nesse caminho, em breve tais instrumentos podem ser utilizados contra líderes como Lula, outro desafeto declarado do Topete Laranja.
Análises recentes do Tribunal de Contas da União (TCU) mostram que o Brasil possui deficiências graves no combate ao tráfico de drogas, pois, enquanto os narcotraficantes utilizam recursos sofisticados como softwares, drones e submersíveis, além, claro, da “boa e velha” corrupção, as políticas de combate ainda carecem de elementos essenciais, como protocolos de cooperação entre a Polícia e a Receita Federal. Ademais, embora as apreensões de drogas e outros produtos ilícitos sejam constantes, as investigações posteriores raramente alcançam os reais líderes e os financiadores das operações. Para a opinião pública, resta a falsa impressão de que os comandantes do tráfico são os maltrapilhos armados, negros e mulatos, que, nos morros e favelas, oferecem sua carne magra ao confronto com as polícias, matando e morrendo em doses cavalares.
Poucos se dão conta de que o tráfico de drogas é intenso porque o consumo é exorbitante, em particular nos Estados Unidos, onde há muito dinheiro em circulação e onde o individualismo escorchante tem se mostrado um diluidor dos laços comunitários e familiares, atomizando indivíduos incapazes de lidar com suas dores e sofrimentos. Além disso, os controles territoriais são débeis, de modo que, em diferentes latitudes, o próprio Estado concede ao crime à liberdade de atuar, dificultando estancar esse comércio perverso. Foi o que o Brasil constatou com a Operação Carbono Oculto, deflagrada pela Polícia Federal na última quinta-feira (29), que desbaratou um vasto esquema de lavagem de dinheiro do Primeiro Comando da Capital (PCC), que envolve principalmente instituições financeiras, empresários e outros “homens de bem” sediados na Faria Lima, o centro financeiro do país. Drogas, dinheiro e poder podem ser “bons” companheiros…
Nesse balaio de gatos, “líderes de mercado” como João Carlos Mansur, Mohamad Mourad, Roberto “Beto Louco” da Silva e Rodolfo Riechert, dentre outros atores, como o capitão da Polícia Militar de São Paulo, Diogo Cangerana, ex-assessor do Palácio dos Bandeirantes, são apontados como os “cabeças” desse megaesquema de lavagem de dinheiro. Nos bastidores, todavia, muitos desconfiam que autoridades públicas e até influenciadores digitais também possam estar implicados, evidenciando crimes em metástase.
A rede criminosa desbaratada pela PF mostra que a droga é uma “comodity” já entranhada no sistema financeiro do país, agindo numa relação dialética com poderes políticos e econômicos, em um ganha-ganha despudorado. Por meio de laranjas, financeiras e mesmo empresas que atuam na economia real, como a Goiás Bionergia e a Royal Química, criminosos agem livremente, quiçá infiltrados nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Onde será que essa bola vai bater?
