Por Higor Maffei Bellini
Estava eu olhando meus processos nos Tribunais Regionais do Trabalho, quando no site do TRT23, me deparei com a seguinte notícia: “Direito à Desconexão – TRT confirma direito de eletricista receber pelo tempo de sobreaviso” o que me fez imediatamente pensar nos atletas, que tem de obedecer às ordens dos clubes e ficar em concentração, nos períodos de jogos ou de preparação no início de temporada.
Não custa lembrar que a concentração, em termos esportivos, é o período em que os atletas, comissão técnica e os seguranças (eu prefiro os enquadrar na comissão técnica, mas, como na prática são tratados como uma equipe apartada, deixei assim no texto) ficam em hotéis, ou nos centros de treinamento dos clubes. Sem poder sair esperando a hora do jogo, quando a competição já se iniciou, ou então fazendo a pré-temporada, período em que se fazem testes físicos, exames médicos e os atletas são apresentados aos novos companheiros.
Ou seja, em outras palavras, é um período de preparação mental intensiva antes de uma partida, de meio de tabela ou de final de campeonato, no qual os atletas e toda a comissão técnica e quadro de dirigentes se reúnem em um ambiente controlado, seja dentro das instalações do clube, seja em hotéis, para otimizar seu desempenho físico e mental. Ou seja, o atleta não tem o direito de ficar pensando em outras situações que não a próxima partida, não tem o direito de se desconecta das obrigações do seu contrato de trabalho.
Tudo porque dizem que esse é um procedimento fundamental para garantir que o time entre em campo com o máximo de foco e comprometimento, como se o atleta profissional necessitasse ser retirado do seu convívio familiar para se concentrar no seu trabalho, quando os jogos são “em casa” ou não pudessem sair quando estivessem em outra cidade para disputar os jogos “fora de casa”, minimizando assim possíveis distrações externas, como se jantar com a família ou ir ver amigos tirassem o jogo dos jogadores e fortalecendo uma mentalidade competitiva.
Tal realidade, do regime de concentração, impede o atleta, que nada mais é do que um empregado do clube, de poder se desconectar, que é deixar de lado as obrigações do contrato de trabalho, durante o período em que não estive trabalhando efetivamente para o seu empregador.
O direito à desconexão do trabalho nada mais é do que um princípio de direito do trabalho, se bem que poderia ser de saúde do trabalhador, que garante aos empregados, independente do seu cargo, o respeito ao seu tempo de descanso, lazer e vida pessoal, ou seja, que garante o atleta possa ter um tempo específico para aproveitar a sua vida privada, fazendo o que deseja, seja estando com a família indo a serviços religiosos ou simplesmente saindo para curtir a noite, sem a obrigação de permanecerem disponíveis para demandas profissionais fora do expediente, aqui entendidos como o horário de treinos, viagens ou jogos, sejam oficiais ou amistosos.
Esse conceito de direito à desconexão, que creio que é de onde vem o nome, que é ficar longe dos aparelhos conhecidos aos sistemas do empregador, tem ganhado força com o avanço das tecnologias digitais, que facilitam a comunicação instantânea entre empregadores e empregados, possibilitando ao empregador, saber quantos passos o empregado deu, onde ele foi ou até mesmo sabendo, o seu gasto calórico e até mesmo analisando seu nível de açúcar no sangue, tornando o limite entre trabalho e vida pessoal cada vez mais tênue, mas que cai como uma luva, para o direito dos empregados em clubes esportivos de não precisarem ficar concentrados para a disputa de jogos.
Desta forma, a concentração de atletas no Brasil vai precisar ser revista, se não extinta, pois a manutenção de atletas em concentração, para a disputa de jogos, impede que eles tenham a necessária desconexão mental das obrigações com o seu empregador, para aquele jogo.
Pois em concentração os atletas podem ser chamados a verem jogos dos adversários, estudarem como determinado atleta se porta, para assim poder fazer a marcação deste atleta, podem ter de escutar a prelação à noite, sem saber quem vai para o jogo no dia seguinte, sem saber quem vai ser cortado da partida.
Um dos maiores terrores psicológicos que se pode fazer é levar mais gente para a concentração do que se pode colocar no banco, pois alguém necessariamente vai ser cortado, e ninguém sabe quem será efetivamente, causando estresse e preocupação ao elenco como um todo. Tá bom, o titular absoluto nascido tem esse problema, a não ser que vá fazer o texto antes do jogo no vestiário, em razão de problema de saúde.
Assim, a concentração para os atletas é um fato de desgaste mental e psicológico, já que não permite ao atleta se desconectar das preocupações com o jogo ou o treinamento, que precisa ser revisto. Pois se mantida, começará a causar condenações para os clubes não para pedir horas extras, que a Lei Pelé e a Lei Geral do Esporte, criam barreiras para serem pagas a atletas, mas sim para que haja o pagamento pela impossibilidade do atleta se desconectar das preocupações do jogo, para o qual ele nem sempre sabe se vai ser utilizado ou se será apenas uma turista que acompanha a delegação, que não pode ficar em casa, pois o técnico queria ter um clima de competição, dentro do elenco, levando todas a um nível desnecessário de estresse, já antes de entrarem em campo.