A revelação feita pelo chefe do departamento médico do Flamengo, Dr. José Luiz Runco, sobre a condição física do meio-campista Nicolás De la Cruz, reacendeu um debate importante: quais são os limites do sigilo médico no esporte profissional? E como se define, do ponto de vista técnico e legal, a incapacidade permanente de um atleta?
Em uma mensagem enviada a um grupo de WhatsApp com conselheiros do clube, Runco afirmou que o jogador sofre de uma “lesão crônica, irreparável” nos dois joelhos, que comprometeria sua continuidade no futebol de alto rendimento. A divulgação da informação, feita sem aval oficial do clube ou do próprio atleta, causou repercussão entre profissionais da saúde, do direito esportivo e da opinião pública.
Para a médica Caroline Daitx, especialista em medicina legal e perícia médica, a fala expõe um ponto crítico: o sigilo médico é um dever ético e legal que não se perde mesmo em contextos de grande exposição, como o futebol profissional.
“O sigilo é protegido pelo Código de Ética Médica, pela Constituição Federal, pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e por tratados internacionais. Só pode ser quebrado com autorização expressa do paciente, por dever legal ou por justa causa — como risco à saúde de terceiros ou ordem judicial”, explica Daitx.
Ela ressalta que, mesmo havendo consentimento, o profissional de saúde deve considerar o impacto da divulgação:
“É preciso preservar a intimidade, a honra e a dignidade do paciente. A confiança entre atleta e médico deve ser inabalável, independentemente da pressão de patrocinadores, clubes ou imprensa.”
Quando um atleta é considerado incapaz?
Segundo Daitx, a incapacidade permanente e irreversível de um jogador profissional é caracterizada pela perda definitiva da aptidão física, funcional ou psicológica necessária para o exercício do esporte com segurança e rendimento mínimo aceitável.
Essa avaliação exige critérios técnicos rigorosos:
- Exames clínicos e funcionais especializados;
- Prognóstico consolidado de irreversibilidade;
- Perda mensurável de desempenho;
- Laudo pericial conclusivo, baseado em literatura científica e protocolos reconhecidos.
A médica também destaca que é importante distinguir a incapacidade para a vida civil da incapacidade esportiva, já que o alto rendimento exige condições físicas e cognitivas específicas.
“Quando a limitação é permanente e impede o cumprimento do contrato de trabalho, isso pode gerar implicações trabalhistas, previdenciárias e até indenizatórias”, afirma.
A exposição do caso De la Cruz, sem respaldo institucional ou autorização pública do jogador, pode não apenas configurar quebra de sigilo, como comprometer a relação médico-atleta — uma das bases da prática esportiva ética e segura.