terça-feira, 1 de abril de 2025
Coisa de menino
19/03/2025

Todo escritor tem suas manhas e suas manias na hora de construir uma história, já disse o Professor Eric Nepomuceno e eu comecei pensar nisso ao me lembrar da minha infância no Sítio Curral Velho, uma propriedade de herança da família do meu pai, onde me criei e vivi os dias mais belos e gloriosos da minha vida.

Lá morei por duas vezes: a primeira, quando minha mãe precisou viajar para João Pessoa e tinha que deixar os quatro filhos com alguém. A solução encontrada foi que eu e Quequé iríamos para a casa das nossas tias, no Curral Velho, e Lana e Horácio ficariam na casa de Tia Zefa, num sítio chamado de Limoeiro.

Quando cheguei à casa das minhas tias, fiz amizade com Carlão, filho de Titia Nenem, e, portanto meu primo. Como era mais novo do que eu e Quequé, ele aprendeu chamar a mãe de Titia, e assim foi até o fim.

A casa, na verdade, era da minha avó Maria Pinto, que era cega e identificava as pessoas até pelo barulho dos passos no cimento. A gente sacaneava com ela, entrava calado em casa, e sentava em um banco ao seu lado. Ela passava a mão na minha cabeça e dizia: “José, por que entrou tão calado? Carlos está aqui do lado”, e dava uma gargalhada.

Meu pai passava todos os dias por lá, a caminho da roça, para pedir a bênção a Mãe Velha, como a gente chamava minha avó. E Quequé contou a ele a nossa brincadeira com sua mãe, e juro que vi seu rosto mudar de feição. Levei a primeira bronca da vida e sempre que chegava em casa era aos gritos. Aí descobri o que sei até hoje: a vida ensina.

Todos cuidavam de todos, mas tinha minha Tia Bia como uma mãe. E era. Um dia de muita chuva, eu e Carlão estávamos na roça à procura de bananas maduras no pé. Encontramos dois cachos grandes. Cortamos as bananeiras e vimos que a água do riacho começou a subir.

Cortamos dois galhos de marmeleiro e enfiamos um em cada tronco, fazendo uma espécie de navegador, onde as mãos ficavam apoiadas uma de cada lado, e começamos descer as águas na maior alegria. Nos distraímos e quando demos conta, estávamos no Rio do Jacú, que uns preferem chamar de Riacho de Sant’Ana.

A correnteza era forte, as águas volumosas, mas os troncos boiavam bem e nós éramos bons nadadores – modéstia à parte. Decidimos ficar perto um do outro e ter cuidado com os baceiros, e sempre ficar atentos a uma curva do Rio. Mais cedo ou mais tarde, a correnteza nos empurra para a beira bem na curva. E não deu outra.

De repente chegamos em terra firme e avistamos duas grandes construções brancas. Fomos mais para perto e eu disse ao meu primo: “Carlão, estamos nas terras de Seu Hermes Costa. Olha o Engenho e a Casa Grande”, e ele estupefato de alegria completou: “Então, estamos em casa”.

Fomos até lá, batemos à porta e Seu Hermes aparece com a cara de espanto. “Vocês não são os meninos das Horácio?” E perguntou o que houve. Quando contamos, ele pegou a chave do Jeep, botou a gente no carro e ainda brincou: “Hoje o couro de vocês esquenta”, e partimos para o Curral Velho.

Meu pai já tinha sido avisado na cidade e correu para o Sítio, onde juntou os moradores para nos procurar no meio do canavial imenso. No final da tarde, já à boquinha da noite, Seu Hermes estaciona o carro, a gente desce, ele tira a tramela da porta de baixo da casa da minha avó, e segurando nossas mãos, fala assim:

— Esses dois marinheiros chegaram lá em casa contando uma aventura que fizeram nuns troncos de bananeiras. Mas, não brigue com eles não, Antônio. Meninos são assim mesmo — disse e ficou esperando a reação do meu pai.

Ele estava uma fera, reclamou muito e nos mostrou os perigos das águas e acabei levando minha segunda bronca. Depois de tudo aquilo, eu perguntei:

— Pai, eu posso terminar de contar a nossa aventura, que Seu Hermes começou?

Perguntar não ofende…

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Zé Euflávio
Zé Euflávio

Zé Euflávio é um dos jornalistas mais respeitados da Paraíba, com passagens também pelo Correio Braziliense.