Paulatinamente estruturado a partir de 2009, com expressiva atuação do então chanceler brasileiro, Celso Amorim, os BRICS assumem crescente protagonismo no contexto internacional. A 17ª Cimeira, finalizada na segunda-feira, 07/06, no Rio de Janeiro, é uma boa expressão desta realidade.
É bem verdade que a Cúpula do Rio de Janeiro não teve a exuberância da Cúpula de Kazan, na Rússia, no ano passado. Faltou trabalho e, certamente, a diplomacia brasileira, alinhada ao Planalto, preferiu concentrar esforços na COP 30, a ser realizada em novembro, em Belém. O próprio período de realização da Cúpula, logo no início do segundo semestre, evidencia a baixa prioridade relativa desta Cimeira por parte do Brasil.
Também é certo que a declaração final foi algo insossa, sem apresentar avanços importantes em questões-chave como cooperação em saúde global; mudanças climáticas ou desenvolvimento científico e tecnológico, inclusive no que tange à Inteligência Artificial.
Igualmente, questões importantes como a bolsa de grãos proposta pela Rússia em Kazan, a adoção de uma moeda (digital) comum de trocas (desdolarização do comércio recíproco) ou mesmo o avanço da institucionalização do bloco, com a adoção de uma carta ou estatuto, uma sede fixa (preferencialmente no Rio de Janeiro) e de um secretariado, ficaram de fora. Esses elementos, como o Pacto Global Contra a Fome – tão priorizado pelo presidente Lula – são elementos vitais que, infelizmente, ficaram para a próxima reunião, a ser realizada na Índia.
Mas se engana quem pensa que esta Reunião de Cúpula foi inócua. Para além da reafirmação dos compromissos históricos com o multilateralismo e a democratização da governança global, tanto em fóruns políticos, como as Nações Unidas, quanto nos fóruns econômicos, financeiros e comerciais, como o Banco Mundial, o FMI e a OMC, a sedimentação do bloco e seu potencial de crescimento mostram que a coalizão BRICS incomoda muita gente.
A mais completa tradução deste incômodo foi a declaração de Trump de que taxaria adicionalmente em 10% todos os países que se alinharem às políticas econômicas dos BRICS. Temeroso do imenso potencial econômico da China, potência que avança a passos largos para retirar a liderança econômica ostentada pelos EUA a cerca de um século, e ciente de que a desdolarização do comércio intra-BRICS é um golpe contundente na hegemonia norte-americana, Trump bufa e ameaça, como se lidasse com “repúblicas de bananas”, como países “vira-latas” que fogem diante de suas já desacreditadas ameaças.
Certamente alertado por seus assessores, Trump sabe que uma guerra comercial com a China e com os demais países BRICS terá um alto custo econômico para o consumidor americano, e será um baque político em sua já combalida popularidade. Assim, embora bufe e estribuche, o atual titular da Casa Branca sabe que terá que negociar com os BRICS, inclusive no que tange às sanções hoje impostas a países como Rússia e Irã. Na verdade, está ciente de que os BRICS são uma força poderosa que, na esteira da I Conferência Afro-Asiática de Bandung, em 1955, e do Movimento dos Países Não-Alinhados, tem o condão de se contrapor à hegemonia norte-americana, escudada por potências regionais como Alemanha, França, Inglaterra e Japão.
Mais do que em qualquer outro momento da história, os países do que hoje denominamos Sul Global, ou seja, os países que representam a maioria dos povos da Terra, seguem coesos no que tange à necessidade de reformas na governança global. Sem qualquer caráter antiocidental ou anticapitalista, como seus detratores insistem em reafirmar, e buscando sempre equacionar suas contradições e rivalidades internas, certamente existentes, os BRICS reafirmam seu caráter multilateralista e reformista, visando à construção de uma nova ordem internacional, mais democrática e inclusive, capaz de gerar novas oportunidades de desenvolvimento e inserção internacional para os países-membros.
Ademais, é importante lembrar que além de diplomatas e altas autoridades políticas, as reuniões dos BRICS possuem uma crescente participação civil, popular, na qual jornalistas, intelectuais e ativistas possuem protagonismo crescente. Uma das melhores expressões deste protagonismo social foi a Carta de Niterói, produzida ao final do BRICS Press Meeting. Dentre outras propostas, a referida Carta propõe a criação de uma big tech do Sul Global, capaz de democratizar o acesso à informação e ampliar as vozes do Sul Global.