sábado, 13 de dezembro de 2025
Beija-flor urbano
15/06/2025

No rastro das desigualdades sociais e da violência que colocam a capital da Paraíba em pé de igualdade com outras grandes cidades, os gestos de pessoas para proteger um indefeso pássaro, trazem a certeza de que nem tudo está perdido. Haveremos de vencer as atrocidades que nos tornam escravos do medo.

Assim como uma bala destruiu o sonho do Bispo Oscar Romero enquanto celebrava missa na Guatemala, no mesmo dia, em Salvador, Bahia, um pássaro pousou no microfone de outro padre. São dois acontecimentos descritos na época por Nathanael Alves numa bela crônica. Recordo isso quando testemunhamos nas proximidades do prédio do Tribunal de Contas do Estado funcionários tentando salvar o ninho de beija-flor, onde havia um filhote.

Quando a barbaridade atormenta a todos, transformando-nos em reféns, expostos a ataques de criminosos, gestos como estes nos levam a acreditar que é possível harmonizar os lugares onde vivemos, mesmo diante de abomináveis comportamentos.

Distanciados até mesmo da convivência com o vizinho, incapazes de pequenos gestos, como um aperto de mão na rua, um aceno ou uma reverência aos mais velhos, estamos todos transformados em estranhos transeuntes. Ainda somos capazes de contemplar um beija-flor no ninho.

Somos filhos da mesma fauna e da mesma flora. Destruamos a morte, contemplemos a vida.

Ao zunido da bala, silenciando gestos de bondade, façamos na dor uma canção de acalento. A violência que retirou o beija-flor dos campos é a mesma que nos recolhe aos muros cada vez mais altos de nossas casas. 

Se a violência atormenta e nos coloca num estágio incômodo, gestos como estes nos levam a acreditar que é possível harmonizar lugares para viver e sonhar, mesmo rodeado de estranhos comportamentos. Sonhar é o rosto da dádiva semeado. 

Semeamos gentileza para colher gentileza, como dizia o profeta das ruas cariocas. Se cuidarmos bem da natureza, essa mesma natureza nos devolve momentos de prazer. O prazer às vezes está em fazer pequenas coisas, como contemplar o ninho de passarinho. 

O gesto protagonizado pelos servidores do TCE nos toca e auxilia a mitigar a amargura que está em nossa frente. Ajuda a olhar e estender a mão para o que a vida reserva. Aves libertas celebram a união do homem com a natureza. 

A redução do verde trouxe o beija-flor para a selva que maltrata e despreza, a violência recolhe as pessoas num recanto de cimento e cerca elétrica. O galo-de-campina que pousou no microfone do cardeal em Salvador e o beija-flor que alimenta seu filho voam pela floresta de cimento porque o verde das matas se perdeu no tempo, passou a ser é apenas um retrato da parede.  Apelando para que a bala não os faça vítima como foi o padre salvadorenho.

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José Nunes
José Nunes

José Nunes é jornalista e membro da Academia Paraibana de Letras (APL).