A Constituição Federal de 1988 é clara: toda a administração pública deve ser guiada pelos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Esses valores, previstos no artigo 37, formam o alicerce ético e jurídico da atuação estatal. Mas, na prática, o princípio da impessoalidade tem sido o mais violado, especialmente com o uso político das redes sociais por agentes públicos.
O tema vem sendo constantemente abordado por juristas e magistrados. Entre eles, o desembargador Aloísio Bezerra, que tem chamado atenção para o mau uso das mídias digitais por gestores que transformam obras e serviços públicos em instrumentos de autopromoção. Segundo ele, “a Constituição não autoriza que o administrador se apresente como dono das realizações do Estado; o agente é apenas o executor de uma vontade pública, não o beneficiário dela”.
O artigo 37, parágrafo 1º, da Constituição, proíbe expressamente o uso de nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores na publicidade custeada pelo erário. Essa norma tem um propósito: assegurar que a comunicação governamental seja informativa e institucional, sem enaltecer o gestor. Quando um prefeito ou governador aparece em vídeos ou posts narrando entregas públicas em primeira pessoa, a fronteira entre transparência e propaganda pessoal se dissolve.
O desembargador Aloísio Bezerra reforça que “o uso das redes sociais deve seguir o mesmo padrão ético da publicidade oficial, sob pena de deturpar a finalidade pública da comunicação”. Para ele, não há diferença entre um outdoor pago com dinheiro público e um perfil pessoal que divulga, de forma personalizada, obras financiadas pelo Estado.
Especialistas chamam esse fenômeno de “plágio institucional”: o agente político se apropria simbolicamente de uma realização coletiva, apresentando-a como conquista própria. Ainda que o vídeo ou o post tenha sido custeado com recursos pessoais, o conteúdo — a obra pública — pertence à administração e ao povo. Trata-se de um desvio de finalidade que distorce o sentido republicano da gestão pública.
A doutrina é uníssona nesse ponto. O jurista Hely Lopes Meirelles ensina que a impessoalidade “impõe ao administrador que só pratique o ato para o seu fim legal, e esse fim é sempre o interesse público”. Já Celso Antônio Bandeira de Mello adverte que a publicidade não pode servir “à glorificação do administrador nem à satisfação de seu ego”.
Ambos defendem que o dever de transparência jamais pode ser confundido com marketing pessoal. O cidadão precisa ser informado sobre a ação do Estado — mas sem que isso se transforme em promoção política de quem exerce, temporariamente, o poder.
No plano jurídico, a Lei nº 8.429/92, atualizada pela Lei nº 14.230/21, reforça essa vedação. O artigo 11, inciso XII, classifica como ato de improbidade administrativa o uso da publicidade oficial para fins de promoção pessoal. Ainda que a lei atual exija dolo específico, esse elemento fica evidente quando o gestor repete publicações com tom enaltecedor, frases em primeira pessoa e associação direta entre sua imagem e as ações de governo.
Para o desembargador Aloísio Bezerra, esse comportamento “enfraquece a credibilidade do serviço público e rebaixa o nível da política”, porque faz o cidadão enxergar o que é um direito como um favor. “A impessoalidade não é uma opção; é um dever constitucional”, conclui o magistrado.
Em tempos de superexposição e de disputa por visibilidade, o alerta do desembargador serve como um lembrete oportuno: as redes sociais podem ser ferramenta de transparência, mas nunca de vaidade institucional.