sexta-feira, 5 de dezembro de 2025
AÍ tem IA
16/05/2025

O óbvio não se propaga no caos
— Dicionário de Exceções, por Irapuan Sobral Filho

Em 1929, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais cassou uma sentença porque o prolator a havia redigido à máquina de escrever, contrariando o secular postulado da identidade física do juiz, que exigia o manuscrito — como se a Justiça residisse na letra, e não na razão.

Décadas depois, um jovem pernambucano, estudando o trânsito caótico de Recife, propôs uma solução que permitiria drástica redução no tempo de tráfego. A proposta foi recusada — havia uma empresa cuidando do tema havia 19 anos, prestando serviços ao Estado. O jovem foi estudar em Harvard e, hoje, atualizou sua antiga proposta com IA.

O meu sobrinho Kíldere, refinado especialista em inteligência artificial, submeteu — bem ao seu estilo — um dossiê sobre o tratamento de saúde de um familiar, obtendo uma resposta tão precisa que impressionou os próprios médicos, atenuando significativamente o quadro clínico.

Com esses exemplos, não me espanta que surjam resistências até que se estabeleça uma normalidade sistêmica sobre o uso da IA.

Recentemente, vi que órgãos do Judiciário já se manifestam — tanto na jurisdição quanto na administração — sobre o uso da IA. Sessões virtuais já são realidade.

Isso é normal. Aconteceu com o computador, com a internet — e será sempre assim com qualquer novidade. O novo, primeiro, provoca riso. Depois, raiva. Depois, protocolo.

Eu, por exemplo, venho utilizando a IA com entusiasmo: para compor músicas sobre poemas meus, e agora, na edição de textos. Estou felicíssimo com isso.

Mas há, naturalmente, os críticos. Sempre haverá. Isso também é parte da normalidade.

O serviço público, de regra, é o último a aceitar. E isso não é por má-fé — é por estrutura.

Depois da famosa Crise dos Mísseis, Kennedy ouviu de um assessor uma frase que o perseguiu até a morte espetacular:

“Nunca peça a solução a quem vive do problema.”

Eu atualizo o dito:

“Nunca peça (ou forneça) a solução a quem vive do problema — e/ou não vive o problema.”

O serviço público, por lidar com problemas simples, diretos e urgentes, parece exigir soluções complexas, que justifiquem a demora, a despesa — e, por vezes, a própria existência do cargo.

Repetindo o poeta baiano apaixonado:

“Ou quereis, como o sátrapa arrogante,
Que o porvir, n’ante-sala, espere o instante
Em que o deixeis subir!?
Oh! parai a avalanche, o sol, os ventos,
O oceano, o condor, os elementos…
Porém nunca o porvir!”
— Castro Alves, em Estrofes do Solitário

Mas, como disse Galileu à Inquisição:

Eppur si muove!

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