Para Adeildo Bezerra, Vânia Rodrigues, Walter Dantas, Walter Santos, Nonato Guedes, Chico Pinto Neto, Mariana Petit e Indira Petit
Nenhum assunto da Paraíba teve tanta repercussão, na década de 80 do século passado, quanto o assassinato da líder sindical Margarida Maria Alves, morta com um tiro de espingarda calibre 12 no início da noite de 12 de agosto de 1983, na cidade de Alagoa Grande, no Brejo paraibano.
Margarida era presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande e travava uma guerra com usineiros e plantadores de cana-de-açúcar daquele município pelos direitos dos trabalhadores.
A União é o único jornal do país que noticia a morte de Margarida na edição do dia 13 de agosto de 1983, um domingo.
Eu era repórter do jornal. Na tarde de sábado, dia 12 de agosto, viajei a Campina Grande para uma reunião na casa de Vânia Rodrigues. No início da noite o telefone de Vânia toca e do outro lado da linha uma voz anunciava: “Mataram Margarida Maria Alves e estou indo para Alagoa Grande”.
Era o engenheiro Simão Almeida, dirigente do PCdoB na Paraíba, que acabara de voltar ao Estado, depois de anos de clandestinidade em Goiás, fugindo da repressão de órgãos do governo dos militares.
Tomamos um carro e fomos para Alagoa Grande: Eu, Vânia, Simão e Nonato Galinha Preta, um engenheiro agrônomo. Na cidade encontramos Zé Horácio, vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande, na casa de Margarida.
O corpo da líder sindical ainda estava no chão com metade da cabeça decepada pelo tiro. Peguei algumas informações e liguei para a redação de A União, em João Pessoa. Quem atendeu foi o jornalista Antônio Costa, então secretário de redação, que fechava a primeira página com o jornalista Luiz Carlos de Sousa.
Ditei uma nota para Luiz Carlos e ele redigiu o “furo” que A União deu na imprensa nacional. Como era noite de sábado todos os outros jornais já tinham fechado suas primeiras páginas e não deram a informação. Nonato Guedes era o editor de A União.
Depois, no domingo, fiz a cobertura do sepultamento de Margarida, com a cidade de Alagoa Grande tomada por sindicalistas, religiosos, políticos de esquerda, advogados e militantes de partidos políticos e ONGs. Na segunda-feira, voltei à cidade, no carro de A União, acompanhado do repórter fotográfico Antônio David.
Por ordem do governador Wilson Braga, o então secretário de Segurança Pública, Fernando Milanez, nomeou o delegado Gilberto Indrusiak da Rosa, da Polícia Civil, para abrir um inquérito e responder a uma pergunta: quem matou Margarida e a mando de quem?
Nesse processo A União ocupou lugar de vanguarda, apurando fatos e checando informações sempre à frente da apuração que a Polícia Civil fazia. Isso rendeu longas matérias especiais nas páginas do jornal, até porque havia um detalhe nisso tudo.
O jornalista Sebastião Barbosa, então chefe de reportagem do jornal, era sobrinho de Cassimiro, marido de Margarida, e tinha interesse na apuração e divulgação do crime. Anos depois, Barbosa escreveu o livro “A Mão Armada do Latifúndio”, em que narrou o assassinato da líder sindical.
Corria a boca pequena na Paraíba que por trás do assassinato de Margarida estava o Grupo da Várzea, agrupamento que reunia usineiros, produtores rurais e políticos, tendo como expoente o industrial Aguinaldo Veloso Borges, proprietário da Usina Tanques, e homem conhecido por seu envolvimento contra a luta dos trabalhadores, desde a época das Ligas Camponesas, na década de 60.
O Grupo da Várzea havia apoiando a candidatura de Wilson Braga (PDS), nas eleições de 1982, e Fernando Milanez foi indicado pelos dirigentes do Grupo para a Secretaria de Segurança Pública do Estado. Nos bastidores corria a informação que o delegado Gilberto Rosas procurava um “bode expiatório” para culpar e livrar o Grupo da Várzea de qualquer culpa no crime.
Assim, 20 dias depois do crime, o delegado Gilberto Rosas acabou prendendo, em Nova Cruz, no Rio Grande do Norte, os ciganos Roberto Cavalcante de Oliveira e seu filho José Alves Cavalcante de Oliveira. Na Central de Polícia em João Pessoa, sob tortura, os ciganos confessaram o crime.
Salvador Pereira, superintendente da Polícia Civil, juntamente com o delegado Gilberto Rosas, convocou uma coletiva de imprensa para apresentar os assassinos de Margarida Maria Alves. Os presos tinham apanhado tanto que mal conseguiam ficar de pé.
Na sala do superintendente, Gilberto Rosas fez uma pequena explicação sobre como tinha chegado aos assassinos e permitiu que os jornalistas entrevistassem os ciganos. Quando o repórter da Rádio Arapuan, Enoque Pelágio, perguntou aos ciganos porque eles tinham assassinado Margarida, veio a surpresa e o constrangimento policial.
“Eu não matei ninguém, meu senhor”, disse o cigano Roberto Cavalcante de Oliveira.
“Mas o delegado diz que o senhor confessou a ele no depoimento que matou Margarida”, perguntei ao cigano.
“Confessei porque estou apanhando muito. Ou confessava ou morria na tortura”, disse o cigano.
A entrevista foi interrompida por Salvador Pereira, os ciganos foram recolhidos às suas celas e só foram liberados quatro dias depois graças a um pedido de habeas corpus que o advogado Wanderley Caixe, do Centro de Defesa dos Direitos Humanos – Assessoria e Educação Popular, fez ao Tribunal de Justiça da Paraíba.
A prisão dos ciganos era uma farsa. A União havia dito isso e apontou indícios de que Zito Buarque, genro de Aguinaldo Veloso Borges, estava por trás do crime de Margarida como mandante. A informação chocou o secretário de Segurança, Fernando Milanez.
Minha demissão foi pedida por Milanez ao secretário de Comunicação, Luiz Augusto Crispim, que pressionou Deoclécio Moura pela minha demissão. Encurralado, o editor Nonato Guedes não restou outra saída a não ser a minha demissão.
De acordo com o relatório enviado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o Ministério Público apresentou denúncia contra três pessoas, Antônio Carlos Regis, que teria sido o intermediário entre os fazendeiros locais e os irmãos Amauri José do Rego e Amaro José do Rego, que executaram o crime, esses três foram identificados como envolvidos no homicídio em dezembro de 1983.
Antônio Carlos Regis foi levado a juízo em dezembro de 1985 e declarado absolvido em julho de 1988. Em janeiro de 1986, Severino Carneiro de Araújo foi assassinado após ter confessado sua participação no assassinato e revelado detalhes do crime, Severino estava bêbado, e sua viúva procurou a polícia e denunciou a participação de fazendeiros no assassinato.
Em 1995, o Ministério Público denunciou os fazendeiros Aguinaldo Veloso Borges, Zito Buarque, Betâneo Carneiro e Edgar Paes de Araújo pelo assassinato da líder sindical.
Dos quatro suspeitos, apenas um foi levado a julgamento.
Edgar Paes de Araújo foi assassinado em 1986, Aguinaldo Vel…
