
A final deste sábado em Lima marcou um ponto de inflexão na história do futebol sul-americano. O Flamengo superou o Palmeiras por 1 a 0 e tornou-se o primeiro clube brasileiro tetracampeão da Copa Libertadores, ultrapassando Santos, São Paulo, Grêmio e o próprio Verdão, que pararam nos três títulos. Ao mesmo tempo, a decisão representou um fenômeno muito mais amplo: foi a sétima final entre times do Brasil na competição, algo absolutamente impensável até pouco tempo atrás.
Durante décadas, a Libertadores pertenceu aos argentinos – e, em menor escala, aos uruguaios. Era quase um condomínio. Entre Independiente, Boca, River, Estudiantes, Peñarol e Nacional, foram 40 das primeiras 60 edições decididas ou vencidas por clubes dos dois países. A hegemonia era tão naturalizada que, do lado de cá, o torneio parecia distante. Muitos clubes brasileiros tratavam a competição como incômoda, difícil, pouco rentável, cercada de viagens cansativas e arbitragens hostis.
Esse mundo acabou. Nos últimos anos, a combinação de calendário, orçamento, estrutura, qualidade do elenco e capacidade de investimento transformou a Libertadores numa espécie de Brasileirão de luxo, sempre com ao menos um brasileiro na final, e frequentemente com dois. Os argentinos reclamam. Dizem que os clubes do Brasil gastam demais, que a Conmebol favorece, que o desequilíbrio financeiro distorce a disputa. Esquecem, porém, que quando lideravam com folga esse brinquedo continental, raramente demonstraram qualquer empatia com o desequilíbrio técnico que reinava do lado de cá.
O resultado está aí: Brasil e Argentina dividem hoje o topo histórico com 25 títulos cada, um empate que jamais pareceu possível até a virada dos anos 2000. E o Flamengo, com o tetra conquistado no sábado, já figura no pódio geral dos maiores campeões: está empatado com River Plate e Estudiantes, atrás apenas do Peñarol e dos gigantes Boca e Independiente, estes inalcançáveis no curto prazo.
Mas o jogo em Lima contou outra história importante. O torcedor viu dois clubes do Brasil, sim, mas também viu um campo em que mais de 40% dos jogadores eram estrangeiros. No Palmeiras, estavam Gustavo Gómez, Piquerez e Flaco López. No Flamengo, Rossi, Varela, Pulgar, Arrascaeta, Carrascal e Jorginho (naturalizado italiano). Nove estrangeiros em 22 atletas, exatamente 40,9% de participação internacional numa decisão entre clubes brasileiros.
Ou seja: enquanto a Libertadores se “abrasileira”, os clubes brasileiros se tornam, cada vez mais, internacionais. É um paradoxo interessante da era moderna do futebol: nunca o Brasil dominou tanto a competição sul-americana – e nunca seus principais times tiveram elencos tão globalizados.

A coluna na edição impressa do Jornal de Brasília