Michelle Ramalho, presidente da Federação Paraibana de Futebol, recebe mensalmente da CBF uma “mesada” de R$ 215 mil. O valor é quase o dobro do que ganham, juntos, Daniella Ribeiro (PSD), Efraim Filho (União) e Veneziano Vital do Rêgo (MDB), os três senadores da Paraíba. Cada senador recebe R$ 44 mil por mês. Os três somados chegam a R$ 132 mil — muito abaixo da remuneração da cartola paraibana. Com essa mesada generosa vinda da entidade que comanda o futebol nacional, Michelle ocupa um cargo que rende mais do que o topo da política brasileira.
A denúncia consta da reportagem da revista “Piauí”, que começou a circular nesta sexta-feira (4) e traz uma radiografia minuciosa da gestão do presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues. O texto revela um esquema de privilégios, blindagens jurídicas, favorecimentos políticos, desorganização interna e denúncias graves de assédio e perseguição, que colocam a entidade máxima do futebol brasileiro no centro de um sistema que combina poder sem fiscalização com uma montanha de dinheiro.
A “Paiui” destaca que, desde que assumiu, o presidente Ednaldo Rodrigues elevou o valor das “mesadas” dos presidentes das 27 federações estaduais — que antes recebiam R$ 50 mil e hoje faturam até R$ 215 mil, com direito a décimo sexto salário. Foi com esse caixa robusto que Ednaldo blindou sua posição no comando da entidade. Quando Ronaldo Fenômeno tentou se lançar candidato à presidência da CBF, em 2023, não foi recebido por nenhum presidente de federação. Não houve sequer espaço para ouvir suas ideias. Com o bolso cheio, os cartolas não tinham motivo para trocar o certo pelo incerto. Ronaldo não tinha nada a oferecer.

Agrados variados
O sistema de alianças se fortalece com agrados variados. A CBF já pagou passagens e hospedagens para familiares de dirigentes que nada tinham a ver com compromissos da entidade — em um dos casos, até a babá foi incluída. Em 2022, a entidade bancou uma caravana de 49 pessoas para a Copa do Mundo do Catar: políticos, amigos, artistas, jornalistas, familiares do presidente. A conta inclui passagens em classe executiva, hospedagem em hotéis cinco estrelas e até cartão corporativo de 500 dólares diários para um ex-cinegrafista da Globo, amigo pessoal de Ednaldo. Só as despesas da esposa do presidente chegaram a R$ 37 mil. Estima-se que a farra tenha custado cerca de R$ 3 milhões.
Enquanto isso, projetos estruturantes são ignorados. A proposta de criar um centro de treinamento para árbitros, aprovada pela diretoria, foi engavetada por “restrições orçamentárias”. O treinamento passou a ser feito por videoconferência. O resultado: no último Campeonato Brasileiro, 110 árbitros foram afastados por falhas técnicas. No ano anterior, foram 40. O presidente da comissão de arbitragem, Wilson Seneme, foi demitido.
Parceria com Gilmar Mendes
Ainda de acordo com a revista “Piaui”, em extensa reportagem assinada por Allan de Abreu, os gastos da CBF também miram Brasília. Quando Ednaldo enfrentou processos na Justiça para tentar se manter no cargo, contratou escritórios de advocacia por cifras milionárias, em contratos sem cláusula de sucesso. Um deles, o IDP — fundado por Gilmar Mendes, ministro do STF — passou a gerir os cursos da CBF Academy e ficou com 84% da receita. Dias depois, foi Gilmar quem deu a liminar que devolveu Ednaldo à presidência, ignorando o fato de seu instituto ter firmado parceria comercial com a entidade.
O ambiente interno da CBF também se deteriora. A arquiteta Luísa Rosa, que assumiu a diretoria de patrimônio da confederação, denunciou assédio moral, tentativas de assédio sexual e descobriu câmeras escondidas com captação de áudio na sede. Após levar o caso à Comissão de Ética da própria CBF, foi demitida. Processou a entidade e venceu em primeira instância. A gestão atual já acumula mais de 100 ações trabalhistas, com denúncias de perseguição e medo generalizado entre os funcionários.
Em meio a esse cenário, Ednaldo Rodrigues foi reeleito em março de 2024 com apoio unânime das federações e dos clubes da Série A e B. Um dos maiores críticos da entidade, o empresário John Textor, dono do Botafogo, também mudou de lado e o apoiou. No dia seguinte à eleição, Ednaldo estava em Buenos Aires, onde viu o Brasil ser goleado pela Argentina por 4 a 1. Para muitos, mais do que uma derrota em campo: um retrato fiel de como anda o futebol brasileiro — rico, blindado e cada vez mais distante do torcedor.
Faltou dizer…
Vale lembrar que no último fim de semana, a FPF protagonizou uma cena que virou símbolo do contraste entre o luxo da cartolagem e o descaso com o futebol real: o troféu entregue ao Souza, campeão paraibano sobre o Botafogo, quebrou na hora da premiação. Um vexame que não combina com a cifra milionária.