Foi como se, ao trocarmos os olhares, o meu tivesse sido transportado e eu quisesse devolver o que recebi. Era como se quiséssemos apadrinhar o encontro, pulando a fogueira de ver: “São João disse. São Pedro confirmou. Você vai ser…, que São João mandou.”
Combinamos a devolução no Forró de Dero, na Lagoa de Dentro, meio caminho para o Galante, numa noite de São João. (Dero, pra quem não sabe, era avô de Eduarda Brasil.) A menina era de Brasília e tinha uns tons à minha frente — e eu, que já morava na capital da Paraíba, me assanhava todo com isso.
Preparei-me com aquele olhar com o qual eu me via depois da permuta — e fui pro forró dirigindo o carro de Seu Irapuan, mesmo eu sendo menor e não habilitado. Estacionei ao longo da estrada, sob a proteção de um juazeiro que coava a lua com as folhas.
Só me faltava… Bem! Vai se chamar Rosinha, pra trazer de Gonzaga um nome ‘lá de nós’ e permanecer anônima. Encontrei-a ao modo. Posso até estar enganado, mas parecia que ela se vestira só pros meus olhos.
Fomos ao terreiro, onde as meninas de Zé de Fausto e Antônio Cago desenhavam o céu no chão, rodopiando de canto a canto, como se o forró precisasse da harmonia da dança. Começamos a negociar a devolução — em uma ou duas ‘partes’. Na quarta ou quinta, já com o apuro natural da dança, éramos do mesmo cheiro, sendo que um dos meus olhos era dela e o outro dela era meu.
Descansamos do silêncio com uma cerveja de meia. Não porque a dividíamos, mas porque era conservada calçada, em blocos de gelo e pó de serra. Vizinho à venda da cerveja, pelo olho que ainda me restava, vi Vando de Tunico e Di de Seu Odálio numa mesa de jogos, entre cartas e bozós.
Mas a mim só me interessava Rosinha de Brasília. Fomos ao carro, como quem fecha um pacto: devolver o ver, pra enfim se sentir. Bicho de gostar de ver é lua cheia: furava a copa do juazeiro como se quisesse ser cúmplice. Troquei a visão — e comungamos os lábios.
Quando já me via por mim, ouvi uns gritos em tons de briga. A natureza só concede o sublime pela simetria, pra equilibrar e dizer que Deus há. Temi por ela, Rosinha, e acendi os faróis. Vi um homem alto apontando uma arma para um garoto.
Desci do carro, por reconhecer o homem, a quem já cheguei pedindo calma, e apontei o caminho para Rosinha me esperar lá no terreiro. O garoto tinha esvaziado os pneus do carro, e o homem o punia exigindo que soprasse à devolução. Fiz ver da impossibilidade, e me pus a ir até a cidade encher os pneus ou arranjar uma bomba.
O homem estava indignado e, depois de uns tapas no garoto, o liberou. E eu? Não vi mais Rosinha. A cena pode tê-la assustado… Ou talvez tenha sido o cheiro dela que me trouxe a Brasília, depois daquela noite de São João.
Assis Goba, lá de Jatobá, é testemunha parcial da história. Eu só queria uma desculpa memorial para beber um vinho.