O falecimento do Papa Francisco, ao final de abril, deixou uma dupla lacuna. Por um lado, ficou vago o “Trono de Pedro”, o lugar de liderança política e espiritual de 1,4 bilhão de católicos. Por outro, representou a perda de uma liderança espiritual que, por suas ações e palavras, renovou a Igreja, acolhendo os “indesejáveis” e resgatando sua credibilidade social e política.
Poucos dias após os funerais do antigo Papa, o Conclave elegeu o Cardeal norte-americano Robert Prevost, 69, como novo Pontífice. Ele não estava entre os favoritos das “casas de aposta”. Sua imagem simpática e sua trajetória episcopal muito ligada à América Latina e à vida missionária, sugerem que poderá adotar uma linha discretamente semelhante à do argentino Bergoglio.
A própria escolha do seu nome papal, Leão XIV, traz indícios preciosos de seu Pontificado. Ela estabelece uma linha direta com o papado de Leão XIII, que, entre os séculos XIX e XX, renovou a doutrina social da Igreja e produziu verdadeiras joias eclesiásticas como a Encíclica Rerum Novarum, de 1891, sobre a condição social dos operários, estabelecendo um ponto de equilíbrio entre marxismo e liberalismo econômico, sem dispensar a liberdade. Além disso, o nome do novo Papa traz à lume a profunda amizade entre o patrono dos franciscanos e frei Leão, seu secretário e confessor, única testemunha de sua estigmatização no Monte La Verne, em 1224. Neste particular, Leão XIV se coloca em um lugar muito próximo ao antigo Papa. Todavia, convém não esperar um novo Francisco.
Leão XIV terá luz própria. O primeiro sinal de sua autonomia foi declinar ao nome de João XXIV, mais de uma vez sugerido pelo Papa Francisco ao seu sucessor. Além disso, em sua conduta pessoal, o novo Pontífice tende a ser mais contido em suas ações e palavras. O novo papa dificilmente dirá algo tão polêmico quanto “sua vida [referindo-se à Jesus], humanamente falando, terminou em fracasso, no fracasso da cruz”, como dito pelo Papa Francisco, em 2015, por ocasião de sua visita aos Estados Unidos; ou abraçará fraternalmente imigrantes, refugiados e leprosos, como o antigo Pontífice fez inúmeras vezes, em apelo a uma Igreja cada vez mais católica e a um mundo cada vez mais inclusivo. Ademais, em passado recente, o Cardeal Prevost condenou o marxismo, denunciou a pseudo-solidariedade inerente ao comunismo e criticou as lutas LGBTQIA+.
Relativamente jovem, o novo Papa tem inúmeros desafios a enfrentar. Primeiro, terá que “pacificar” a Igreja, unindo suas várias vertentes em um movimento sinodal, capaz de ouvir os descontentes, estancar a perda de fiéis, agregar os desgarrados e ampliar a participação de leigos e mulheres nas decisões da Igreja. Segundo, deverá coibir e punir os abusos cometidos por sacerdotes de diferentes hierarquias contra os mais vulneráveis, inclusive combatendo os escândalos sexuais e financeiros que abalaram a Igreja no início deste século. Neste embate, terá que enfrentar os setores mais conservadores, que preferiam nomes como o alemão Gerhard Müller ou o húngaro Péter Erdô, e deverão esperar mais um pontificado se quiserem retomar a condução da Igreja, embora sejam muito fortes e atuantes, em particular no campo moral e doutrinário. Por fim, mesmo sem carisma de seu antecessor, Leão XIV terá que lidar com questões candentes como meio-ambiente, trabalho e imigração, todas diretamente relacionadas aos padrões atuais de produção e consumo global.
Já o tendo sido taxado de “woke” e “comunista” por youtubers e influencers vinculados à direita católica, o 267º Papa da história vive seus primeiros dias na condução da Igreja marcado por grandes expectativas e responsabilidades. A Igreja tende a não fazer movimentos bruscos ao longo de sua história, mas está aberta a questão sobre o quanto o novo Pontífice caminhará ao lado dos pobres, dos homossexuais, das mães solteiras, dos casais em segunda união e de outros escanteados da Igreja. Nestas e em outras questões sensíveis, em princípio o novo Papa se senta à direita de Francisco.
Habemus Papam
12/05/2025
sobre
Gira Mundo
Renata Medeiros — Mestre em ciência política, advogada;
Lier Pires Ferreira — PhD em Direito (UERJ). Pesquisador do NuBRICS/UFF.