Tem gente que só acredita vendo. Eu, que já vi de tudo na lida de delegado, juro que vi um milagre laico numa noite quente de 2000, no Conic, centro nervoso de Brasília. Estávamos em uma batida — daquelas que o povo chama de “operação presença”, mas que para os pés-de-chinelo e os consumidores de substâncias era mais um capítulo do corre-corre institucionalizado.
De repente, no meio do alvoroço, um cidadão, notório traficante da área, tomou rumo com uma velocidade que desafiava Newton e o bom senso. Nada demais, se não fosse pelo detalhe: o cabra andava de muletas. Muletas mesmo, duas, daquelas de alumínio batido, que mais pareciam ter saído de um ferro-velho do SUS. E correu. Mas correu como se o asfalto lhe soprasse os pés — ou melhor, as pontas das muletas.
Um policial jovem, de físico avantajado, disparou atrás, certo da captura fácil. Que nada! O deficiente ganhou na arrancada e na resistência, sumindo entre as colunas do Conic como se tivesse treinado com quenianos.
Lembrei da cena ao ver, dias atrás, um vídeo viral: um sujeito de chinelas, visivelmente embriagado, se meteu na largada de uma corrida de rua e deixou os atletas profissionais comendo poeira por alguns metros. Era o Zé do Bar atropelando o espírito olímpico.
Ambos, o do Conic e o da chinela, desafiaram as estatísticas, a biologia e a lógica. E talvez seja isso que mais impressiona: a vida, de vez em quando, nos brinda com absurdos encantadores — ou desesperadores, dependendo do lado da perseguição.
E não duvide: se um dia você vir um cego driblando um zagueiro ou um surdo regendo uma orquestra no Parque da Cidade, pode saber — é só mais um capítulo dos corredores do impossível.
