
O encontro entre Lula e Trump em Kuala Lampur, na Malásia, vem capturando o noticiário nacional desde o último domingo, 26/10. A reunião entre os dois maiores líderes políticos das Américas teve como foco o “tarifaço” imposto ao Brasil. Mas as sobretaxas norte-americanas não foram o único tema. Dentre outras questões, as ameaças dos EUA à Venezuela estiveram na pauta, com Lula insistindo em manter a América do Sul como uma zona internacional de paz.
A preocupação é mais do que procedente. Há alguns dias, o jornal The Washington Post revelou que o ex-presidente Donald Trump teria autorizado a CIA a conduzir ações agressivas — ou letais — contra o governo venezuelano e supostos narcotraficantes ligados a ele. Embora as instruções detalhadas permaneçam sob sigilo, o teor da autorização sugere algo além de simples vigilância: um movimento de pressão política que flerta com a intervenção militar.
A resposta de Caracas foi imediata. Nicolás Maduro acusou Washington de tentar fabricar legitimidade para uma operação de mudança de regime, comparando o cenário venezuelano às “guerras eternas e fracassadas” no Afeganistão, Iraque e Líbia. Para o governo venezuelano, o discurso norte-americano sobre narcotráfico e democracia encobre um objetivo mais antigo e previsível: o controle dos vastos recursos energéticos do país.
Maduro é, sem dúvida, uma figura controversa e o regime venezuelano carrega denúncias sérias de autoritarismo e violações de direitos humanos. No entanto, reconhecer essas falhas não deve nos cegar diante da lógica maior em curso. A política externa dos Estados Unidos opera, historicamente, sob o disfarce da moralidade, mas seus interesses reais são econômicos e estratégicos. A América Latina, desde o século XIX, tem sido palco dessa ambiguidade — da Guatemala a Cuba, do Chile ao Panamá, e agora, novamente, na Venezuela.
O ex-diplomata Tom Shannon, com longa experiência no Departamento de Estado, advertiu que uma ação direta poderia “agravar a situação”, sobretudo se assumisse “um objetivo político”. Shannon foi ainda mais incisivo ao afirmar que a Casa Branca “não está sendo clara com o povo americano sobre o que está acontecendo”. A falta de transparência, nesse caso, não é um descuido, mas um padrão: quanto mais obscura a justificativa, mais fácil é conduzir uma intervenção sem consenso público.
A pergunta central permanece: os Estados Unidos estariam dispostos a repetir seu velho roteiro de “libertação” pela força? A resposta oficial ainda é negativa. Mas o deslocamento de uma imensa força militar para as cercanias da Venezuela é um fato que impressiona. Além disso, a história mostra que a negativa norte-americana costuma ser apenas um prelúdio oco — o silêncio antes do bombardeio.