sexta-feira, 5 de dezembro de 2025
A lágrima de Oscar
03/05/2025

A Bao A Qu

Papai sabia de cor um longo trecho do livro Iracema, de Alencar, de onde o meu avô, Oscar, que também sabia decorado uma parte ainda maior do livro, tirou o nosso nome: Irapuan. Eu traduzo o nome como ‘Cercado de Mel’, mesmo sabendo que a inspiração original é ‘Mel Redondo’, numa referência ao ninho das abelhas irapuás, que também são conhecidas como ‘Torce-Cabelo’.
Há memórias fabulosas. Borges achava que Homero havia parado a construção da ‘Odisséia’, ao reduzi-la à palavra escrita. Muitos povos guardaram seus textos mais sagrados nas memórias, que sempre eram contados com os acréscimos ou subtrações subjetivos.
Quando menino, fiquei conhecido pela memória prodigiosa, especialmente para poemas, que conheci nas ‘Crestomatias’ que o papai comprava para o nosso deleite. Ainda guardo muito desse acervo, geralmente usado em dias próprios ou solenidades na Jatobá da minha infância, ou em mesas de bares, para o deleite do ‘dotô’.
Entretanto, por conhecer somente já adulto, pus-me no desafio de recitar, de memória, um texto de Borges, d’O Livro dos Seres Imaginários. Sempre que me dou à leitura faço de tal forma melódica, que me pego navegando na musicalidade da prosa-quase-poema; lendo-o, depois, na língua original – o espanhol, que considero um idioma poético, fico ainda mais fascinado.
O texto trata de um animal que segue peregrinos em uma escada (talvez a escada da perfeição) e vai se iluminando à medida que os degraus são alcançados – até o topo. De tão raro é vê-lo perfeito, ao final, que uma única vez alguém conseguiu chegar ao terraço que há em cima da torre onde está a escada (esse alguém é o ser completo em seu ‘dharma’).
Não consegui decorar o texto integralmente, e, confesso, não faço mais esse esforço. Porém, nunca deixei de perseguir as informações de sua origem.
Borges diz que Burton (aquele gênio indomável do saber eterno) tinha anotado a história em sua tradução ao inglês (a mais completa) do livro das ‘Mil Noites e Uma Noite’ (esse nome que dá a ideia da hipérbole universal). Depois, a história mudou, quando na versão daquela tradução inglesa para o espanhol, sendo atribuída a C.C. Iturburu (um amigo de Borges), a partir de uma fonte malaia.
Dizem até que o estranho nome pode ser um arrasto vocabular da expressão malaia ‘abang aku’, cujo significado é, PARA O MEU CONFORTO SAUDOSO: O IRMÃO MAIS VELHO.
Lendo, na última madrugada, um texto sobre o assunto, considerei um recado revelado por Oscarzinho, querendo me dizer que pode ‘“contemplar el paisaje más maravilloso del mundo’, porque chegou ‘al último piso de la Torre de la Victoria’.
E eu disse: Amém!

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