Por trás dos gols, da grife e do protagonismo esportivo, o Flamengo vive uma crise silenciosa que não nasce de derrotas em campo, mas da incapacidade de manter a própria casa em ordem. O clube parece ter desaprendido a resolver seus conflitos internamente. Episódios recentes envolvendo o atacante Pedro e o meia uruguaio De La Cruz expõem um novo adversário do elenco rubro-negro: a indiscrição.
No domingo (21), o atacante Pedro saiu do banco e marcou o gol da vitória no clássico contra o Fluminense. A atuação decisiva foi a resposta em campo a uma semana conturbada, marcada por boatos de que o clube considerava negociá-lo. A origem da crise não foi o técnico Felipe Luís — com quem Pedro teve um desentendimento técnico, superado com maturidade. A faísca veio de um dirigente que, em vez de blindar o elenco, ventilou nos bastidores que Pedro poderia ser vendido. A resposta do jogador foi de humildade, mas também de incômodo. Ele se sentiu exposto. E com razão.
Mas o que era para ser um ponto final deu lugar a uma nova polêmica — ainda mais grave. Nesta terça-feira (22), o chefe do departamento médico do clube, José Luiz Runco, afirmou em um grupo de mensagens com conselheiros e dirigentes que o meia De La Cruz tem uma “lesão crônica, irreparável”. Disse ainda que só seria possível vendê-lo se “algum clube tiver interesse por outro motivo e não para jogar futebol competitivo”.
A fala, que jamais deveria ter saído de uma reunião interna, circulou como rastilho de pólvora. Jogadores como Arrascaeta se manifestaram contra o vazamento e saíram em defesa do companheiro. Não é para menos. Em termos financeiros, a exposição desvaloriza um ativo do clube. Em termos humanos, trata-se de uma violação da privacidade médica de um profissional.
Em ambos os casos, o problema não foi apenas o conteúdo — mas a forma como tudo foi tratado. Em vez de proteger seus jogadores, o Flamengo tem optado por se comunicar de forma desastrada, deixando vazar crises que poderiam (e deveriam) ser contidas entre quatro paredes.
Se no campo o clube ainda disputa títulos, fora dele está perdendo um jogo crucial: o da gestão responsável, da comunicação ética e do respeito interno. Um vestiário não se sustenta com vitórias apenas. É preciso lealdade, discrição e comando. Coisas que parecem, hoje, em falta na Gávea.