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A questão dos créditos civis, relativos do direito de imagem, nas recuperações judiciais

Essa prática apresenta um problema significativo para os atletas, quando os clubes solicitam recuperação judicial ou ingressam com pedidos de Regime Centralizado de Execuções
  • Por Higor Maffei Bellini (site Lei Em Campo)

A possibilidade legal, que permite aos atletas, de quaisquer modalidades esportivas, receberem parte de sua remuneração sob a forma de pagamento pelo uso de direito de imagem, de natureza civil, estabelecida na Lei Geral do Esporte, é amplamente utilizada pelos clubes para reduzir encargos em suas folhas de pagamento, uma vez que pode pagar às atletas até 50% (cinquenta por cento) pelo valor da remuneração como imagem, segundo o artigo 164, em seu § 2o, da referida lei. Isso ocorre porque sobre o direito de imagem, por ter uma natureza civil, não incidem encargos trabalhistas nem sociais.

No entanto, essa prática apresenta um problema significativo para os atletas, quando os clubes solicitam recuperação judicial ou ingressam com pedidos de Regime Centralizado de Execuções. Pois, nessas situações, os créditos civis, como são os decorrentes do direito de imagem, não possuem preferência de pagamento, diferentemente dos créditos de natureza salarial, que gozam de privilégio na ordem de quitação das dívidas dos clubes.

Mas Higor, como assim? Quer dizer, que o atleta vai ter problemas para receber a metade do que o clube lhe deve, entrando em outra fila, só porque aceitou receber uma parte como direito de imagem.

Pois é, o atleta que aceita receber parte da sua remuneração — que consiste no conjunto de valores pagos pelo clube em razão de seu trabalho como atleta, seja profissional ou não — como permissão onerosa, para o uso da sua imagem, pelo clube empregador, enfrenta diversos problemas.

Alguns clubes, atualmente isso acontece, muito menos do que no passado, do futebol feminino, visando fraudar a relação de emprego, em razão de um falso amadorismo, deixam de assinar a carteira de trabalho dos atletas e, em vez disso, elaboram contratos de licenciamento de imagem. Pois o contrato padrão enviado para a federação estadual, ou para a confederação brasileira, serve apenas para dar condição de jogo à atleta, não cabendo as entidades de administração do futebol, analisar que tipo de relação existe entre atletas e clubes. Lhe cabendo colocar no sistema, o período de contrato, para saber se aquela atleta, pode ou não disputar a competição.

Essa prática tem o objetivo de manter o atleta vinculado ao clube até o término do campeonato, uma vez que, para romper o contrato, ele precisa pagar uma multa rescisória. Isso torna a situação do atleta ainda mais precária, especialmente quando ele não recebe os valores corretamente.

Fiz a referência ao futebol feminino, sobre a fraude relacionada ao contrato de trabalho, se utilizando o contrato de licenciamento de imagem, pois é a minha realidade, mas, o conceito vale para qualquer outra modalidade esportiva

Mas isso, claro, é tema para outro texto.

Pois bem, mas, voltando ao nosso tema básico a utilização do contrato de licenciamento de imagem, é um grande problema para os atletas, quando os clubes pedem a recuperação judicial, pois esse crédito, do atleta, é lançado, como uma dívida civil do clube, não uma dívida trabalhista.

Tal pensamento, relacionado a natureza civil do direito de imagem, para a habilitação em recuperação judicial, já confirmado pela justiça civil, do Estado de Santa Catarina ao fazer a análise do AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5004921-68.2023.8.24.0000/SC, que tem a seguinte ementa:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITO. DIREITO DE IMAGEM. CLASSIFICAÇÃO. CRÉDITO QUALIFICADO COMO QUIROGRAFÁRIO. MANUTENÇÃO NA ORIGEM, COM A CONSEQUENTE REJEIÇÃO DO INCIDENTE, NO QUAL SE DEFENDEU A NECESSIDADE DE SUA INCLUSÃO NA CLASSE TRABALHISTA. DECISÃO A QUO QUE NÃO COMPORTA CENSURA. DESPROVIMENTO. A TEOR DO ART. 87-A DA LEI N. 9.615/1998, O CONTRATO QUE VERSA SOBRE O DIREITO DE IMAGEM DO JOGADOR DE FUTEBOL POSSUI NATUREZA CIVIL, NÃO SE CUIDANDO, POIS, DE VERBA TRABALHISTA, EXCETO NAS HIPÓTESES EM QUE SE VERIFICA O SEU DESVIRTUAMENTO, TAL COMO A EXTRAPOLAÇÃO DO PERCENTUAL LEGAL. HIPÓTESE EM QUE A JUSTIÇA DO TRABALHO AFASTOU EXPRESSAMENTE A ALEGAÇÃO DO IMPUGNANTE DE QUE A VERBA TERIA CUNHO SALARIAL, COM O CONSEQUENTE RECONHECIMENTO DE QUE NÃO TERIA HAVIDO A DISTORÇÃO DO INSTITUTO JURÍDICO. DE OUTRO VÉRTICE, O FATO DA JUSTIÇA ESPECIALIZADA TER RECONHECIDO O DIREITO DO ATLETA À PERCEPÇÃO DOS VALORES NÃO TEM O CONDÃO DE ALTERAR A NATUREZA DA AVENÇA FIRMADA COM O CLUBE DE FUTEBOL, A QUAL SE REVESTE DE CARÁTER ACESSÓRIO AO CONTRATO DE TRABALHO. DAÍ A CONCLUSÃO DE O CRÉDITO FOI CORRETAMENTE ENQUADRADO NA CLASSE QUIROGRAFÁRIA, COM A CONSEQUENTE MANUTENÇÃO DA DECISÃO GUERREADA. DESPROVIMENTO. “O ART. 87-A DA LEI Nº 9.615/1998 PREVÊ QUE O CONTRATO QUE VERSA SOBRE O DIREITO DE IMAGEM DO JOGADOR DE FUTEBOL POSSUI NATUREZA CIVIL, NÃO SE TRATANDO DE VERBA TRABALHISTA, DESDE QUE OBSERVADOS OS SEUS TERMOS, ASSIM COMO OS PERCENTUAIS ESTABELECIDOS A ESSE TÍTULO, PELA MENCIONADA LEI. UMA VEZ NÃO COMPROVADA NA ESPÉCIE QUALQUER FRAUDE NO CONTRATO DE CESSÃO DE DIREITO AO USO DE IMAGEM, AS VERBAS NELE PREVISTAS NÃO POSSUEM NATUREZA SALARIAL. MANTIDA A SENTENÇA QUE NÃO RECONHECEU NATUREZA SALARIAL AOS VALORES PERCEBIDOS PELO AUTOR A TÍTULO DE DIREITO DE IMAGEM. RECURSO ORDINÁRIO DO AUTOR NÃO PROVIDO, NESTE ASPECTO” (TRT DA 12ª REGIÃO; PROCESSO: 000054185.2019.5.12.0041; DATA: 11-11-2021; ÓRGÃO JULGADOR: GAB. DES. WANDERLEY GODOY JUNIOR).

Sendo assim, o atleta, antes de aceitar receber a remuneração como direito de imagem, seja na sua integralidade, seja de maneira parcial, deverá considerar as consequências, caso o seu empregador, que tanto pode ser um clube, no sentido tradicional aquele associativo, como pode ser uma SAF, se bem que pela natureza jurídica desta seria virtualmente impossível, alegar que tem atletas não profissionais, disputando campeonatos de futebol feminino, pois sendo uma empresa, destinada a explorar o futebol, ficaria complicado ter atletas não profissionais lhe representando, a menos que fizesse parcerias com clubes, que emprestariam os atletas, para a disputa de competição. Pois, em caso de recuperação judicial, demorará muito para receber o seu crédito, podendo passar necessidade enquanto aguarda.

Contudo, pode o atleta, que estiver nessa situação, em que sua remuneração é paga como direito de imagem, e por isso listada como crédito civil, tentar via justiça do trabalho, única que tem a competência, para decretar a existência de uma relação trabalhista, já que é a competente para decidir os conflitos entre empregados e empregadores, o reconhecimento da fraude trabalhista, desta forma de contratação.

Utilizando para tanto o artigo 9o da CLT, que prevê a nulidade de todos os documentos utilizados para fraudar direitos trabalhistas, demonstrando que o pagamento do direito de imagem existia apenas para fraudar direitos trabalhistas, seja a própria relação trabalhista, seja para que o empregado receba menos valores relativos a FGTS, férias e décimo terceiro.

Algumas formas de provar que o intuito deste pagamento é o de fraudar a legislação trabalhista e não o de remunerar a utilização da imagem seriam demonstrar que o clube nunca explorou a imagem do atleta, e por explorar não deve ser entendido as entrevistas coletivas concedidas, posto que isso é obrigação imposta pelas entidades que organizam o esporte, bem como não pode ser considerado a exploração a publicação da imagem do atleta, no momento de sua contratação, posto que é interesse jornalístico saber quem é o atleta, e a imprensa divulgará tal imagem, mesmo que o clube não a divulgue em seu site.

O uso da imagem precisa ser efetivo, não meramente potencial, não se pode ficar pagando para um dia, em um futuro incerto, usar aquela imagem. Ou impedir que o atleta negocie patrocínios individuais, sem que o clube possa receber uma porcentagem dos valores pagos ao atleta, sob a alegação de que a imagem do atleta, durante a vigência do contrato, pertence ao clube.

Uma vez que consiga comprovar a fraude, poderá levar a decisão que reconheceu a fraude e, por consequência, a natureza trabalhista destes créditos para a justiça comum e requerer que seja modificada a classificação dos seus créditos, para que tenham a natureza trabalhista e, portanto, seja privilegiado.

Sendo assim, a questão do direito de imagem dos atletas precisa ser tratada com maior destaque, pois com o crescente número de clubes pedindo recuperação judicial, ou outros favores judiciais, para o pagamento de suas dívidas, cada vez mais, atletas poderão ter dificuldades para receber seus valores relacionados a direitos de imagem.

Como nos outros textos que escrevi, não busco encerrar a questão tratada, mas trazer para a discussão questões relacionadas aos direitos dos atletas, de modo geral, já que algumas vezes os direitos acabam sendo deixados de lado, pelas práticas do mercado esportivo brasileiro.

  • Higor Maffei Bellini – presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB Butantã e mestre em Direito Desportivo


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