Desde 1º de janeiro no cargo de presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), o ex-deputado e ex-senador paraibano Vital do Rêgo Filho criticou duramente as isenções fiscais, defendeu a participação do Tribunal na discussão da regularização das bets e no uso de recursos do Bolsa Família nas apostas eletrônicas, da situação da Previdência dos Militares e falou sobre as pressões políticas sofridas pela Corte e das ameaças recentes à democracia durante entrevista da Revista Veja de número 2925, que chegou às bancas nesta sexta-feira, dia 3.
Vital do Rêgo Filho sobre a diferença de quando era senador, em 2014, e agora, uma década depois, como ministro do TCU. “São duas concepções diferentes de poder. O presidente Lula acabou de sancionar um projeto que apresentei como senador — e olha que já estou no TCU há dez anos. No tribunal, sinto que a minha decisão tem resultado mais imediato. Meu papel hoje é arbitrar e ensinar para que o gestor público não erre. Até algum tempo atrás o TCU só entrava depois do jogo terminado… “
O novo presidente do TCU afirma que passou a olhar o órgão também com um caráter pedagógico. “Entendi que a cultura do tribunal não tem que ser só punitivista, mas também pedagógica. Antes de punir, temos que ensinar como fazer o certo. … Minha ideia é fazer reuniões em cada estado da federação com os prefeitos, levando manuais e informativos, e treinar três funcionários de cada prefeitura para se tornarem gestores capacitados. Se, ainda assim, eles errarem, não os verei com os olhos de quem não quis aprender. Vamos ter de punir”.
Sobre cargos no TCU serem usados como moeda de troca na política, Vital do Rêgo Filho afirmou que “não nos metemos nessa questão de o Congresso decidir quem vem para o TCU. Eu mesmo larguei o mandato de senador e preferi vir para o tribunal. Foi a decisão mais difícil da minha vida…. Sobre essa questão de moeda de troca, quando o indicado chega a ministro, não tem essa história de ser braço político do partido. Se alguém estiver com alguma intenção como esta, aqui não consegue. O ambiente não deixa. Temos um corpo técnico fortíssimo”.
Questionado se as emendas parlamentares, que serão fiscalizadas pelo TCU a partir de agora e que chegarão a R$ 50 bilhões em 2025, não representariam muito dinheiro nas mãos do Congresso Nacional, quando o país tem tantas carências, Vital do Rêgo Filho disse que “Não entro na questão da disputa do Orçamento entre governo e Congresso porque isso é coisa da política, mas é importante dizer que governo e Congresso têm de ter muito cuidado com o risco de a máquina pública parar. Quando se tem muito poucas reservas e ainda por cima elas são discricionárias, há o risco de um shutdown. Não sou tão pessimista, mas em casos assim a falta de recursos vai afetar principalmente obras de infraestrutura”.
O paraibano também lembrou dos recentes ataques à democracia e da perseguição que o pai e o avó sofreram na ditadura militar. “Meu pai e meu avô foram cassados pelo AI-5 no dia 13 de janeiro de 1969. Isso marcou muito a minha infância. Eu saí de Brasília e fui morar numa fazenda com carro do Exército na frente da minha casa. Segundo informações do inquérito que foi aberto, o país passou recentemente por momentos inimagináveis de gravidade institucional e democrática. Eu não pensava que se chegasse a tanto. O eleitor brasileiro é bem-aventurado, porque, se erra, tem condições de consertar seu erro na próxima eleição. Faltou o sentido de respeito à democracia, que é nosso maior patrimônio”.
Vital do Rêgo Filho também criticou duramente as políticas de renúncia fiscal. “Fui relator das contas do governo que, tirando o momento do impeachment, talvez tenham sido as que geraram maiores discussões a respeito do país. Eu abro a boca para dizer que a renúncia fiscal no Brasil não tem resultado social. Além de não ter resultado, ao final do período de vigência, o governo ainda renova o benefício, ficando ad aeternum, ou a empresa vai embora do país. Isso gera repercussão no Orçamento, porque não há receitas. O setor automobilístico, para mim, é o mais gritante. Insisto que vai ter uma hora que a máquina vai parar”.
Ele também falou da situação da previdência, inclusive, a dos militares. “Os números falam por si em termos de crescimento da dívida previdenciária. É bastante gritante. Arrecadaram-se R$ 9 bilhões em 2023 e gastaram R$ 59 bilhões. O endividamento da Previdência dos militares é em progressão geométrica. Meu papel aqui é dizer que, do jeito que está, a Previdência será inviável em cinco anos. Se a gente não mudar, e não falo só dos militares, talvez na próxima década não consigamos ter receita para pagar aos aposentados do Brasil”.
Sobre o debate relativo à regulamentação das bets e o uso do Bolsa Família por famílias de baixa renda nas apostas eletrônicas, Vital do Rêgo Filho comentou que “Eu reputo uma questão importantíssima para o Brasil discutir, não apenas em relação ao valor das concessões, mas também em relação aos custos social sanitário e de saúde mental. Para mim, o Tribunal de Contas da União está incluído neste processo como órgão de fiscalização da receita pública, porque, quando uma outorga de R$ 30 milhões é paga para regularizar a empresa de apostas, isso entra nos cofres do Tesouro e passa a ser dinheiro público. Temos total competência e legitimidade para atuar no caso das bets também por conta de casos dolorosos, como aqueles que nós vimos que beneficiários do Bolsa Família estão gastando o dinheiro que recebem em apostas em detrimento da alimentação. É uma situação vexatória”. Ele defendeu: “Temos que fazer uma ampla auditoria sobre as bets no Brasil. Só substâncias químicas viciam tanto assim”.
Da redação do ON com informações da Revista Veja
Foto: Ascom/TCU/Divulgação
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