Por Nico Torteli*, atleta e fundador do Sportidia
A pandemia foi um divisor de águas para a forma como o bem-estar é encarado. Com a interrupção das atividades presenciais e o aumento das preocupações com a saúde mental e física, muitos recorreram a tecnologias emergentes para compensar a falta de interação humana. Em 2023, o mercado global de wellness cresceu a passos largos, movimentando US$ 1,06 trilhão somente na categoria de atividades físicas, segundo o Global Wellness Institute. No Brasil, que é líder na América Latina, o setor já representa 5% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
Nesse cenário, a inteligência artificial (IA) surge como uma das protagonistas na revolução do bem-estar. Mas será que esse potencial está sendo aproveitado em integridade ou há um novo tipo de comodismo?
A vida saudável também precisa de personalização
A IA é uma ferramenta poderosa para personalizar a experiência da população na área da saúde. Não é à toa que, somente nesse mercado, ela possa valer até US$ 187,9 bilhões até 2030, conforme um levantamento da Precedence Research.
No âmbito do bem-estar, a principal utilidade da ferramenta se dá em analisar grandes volumes de dados de forma quase instantânea, o que permite criar planos de treino, dietas e rotinas ajustados às necessidades específicas. Um exemplo disso são os dispositivos vestíveis, como smartwatches e pulseiras fitness, que monitoram frequência cardíaca, sono e calorias queimadas para estudar o desempenho diário do usuário e, assim, fornecer recomendações assertivas.
Essa personalização é importante em um mundo onde o tempo é escasso e o excesso de informações pode ser paralisante. Em vez de generalizações, a IA oferece soluções direcionadas, ajudando as pessoas a atingirem objetivos com mais praticidade e precisão. É possível dizer que esses podem ser indícios para o fim dos treinos padronizados, sendo substituídos por uma abordagem única, centrada no indivíduo.
Ao pensar ainda mais fora da caixa, a inteligência artificial também está transformando a saúde preventiva. Aplicativos já fazem uso de algoritmos para identificar sinais de doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, antes mesmo de os sintomas aparecerem. Considerando todas as funcionalidades, é fácil perceber como o avanço da inovação democratiza o acesso a serviços de saúde.
O lado sombrio do bem-estar digital
Embora a inteligência artificial tenha um impacto positivo, não se pode ignorar os desafios. O principal deles é a questão da privacidade. Para funcionar de forma eficaz, essas tecnologias precisam acessar dados altamente pessoais. Disponibilizar essas informações pode causar desconfianças – compreensíveis – entre os usuários.
Outra preocupação é a dependência tecnológica. Muitos já não conseguem imaginar uma rotina sem os celulares. Atribuindo a eles a responsabilidade de realizar tarefas relacionadas à saúde, essa submissão pode se agravar ainda mais. Considerando isso, é preciso pensar: as pessoas estão se tornando mais saudáveis ou apenas confiando dados importantes em algoritmos?
É fato que a IA nunca poderá, de fato, substituir a iniciativa humana. Ela deve ser vista como uma facilitadora, seja identificando novos locais para praticar esportes, gamificando a experiência dos entusiastas em academias, conectando usuários com interesses em comum nas redes sociais e até mesmo indicando atividades físicas diferentes para se exercitar em grupo.
Com essas funcionalidades, o potencial da tecnologia se torna um efeito catalisador, mas nunca um substituto para o esforço físico e as interações humanas. Afinal, a decisão de agir – calçar os tênis, reunir-se com os amigos, compartilhar experiências e criar conexões reais – é o que realmente faz a diferença; e isso a inteligência artificial não consegue fazer.
* Nico Torteli, ex-nadador olímpico brasileiro e atleta bolsista pela Universidade da Flórida, nos Estados Unidos, é empreendedor e fundador de três fintechs, incluindo a Paggo, além do Sportidia – resultado da união entre a paixão pelo esporte e pela tecnologia. O Sportidia é uma rede social que incentiva a prática de atividade física, conectando pessoas com interesses semelhantes para compartilharem dicas, tendências e experiências.