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A nau do tenente

Tenente Lucena deixou uma marca profunda nas coisas que fez e por onde passou
  • Por Zé Euflávio

Colunista ON

A Paraíba, terra de bravos, tem uma dívida histórica para com o Tenente Lucena, um músico, professor e pesquisador do nosso Folclore, que deixou uma marca profunda nas coisas que fez e por onde passou. Desde o Grupo Folclórico do SESC, que criou, até a Nau Catarineta e seus Marujos, em Cabedelo.

Quando cheguei em João Pessoa para estudar, no início dos anos 1970, fui morar na Casa do Estudante da Paraíba (CEP), e vivia mais liso do que bunda de Santo, mas tinha que estudar e me divertir e sempre gostei da cultura popular. Via Cachimbinho e Geraldo Mousinho cantando coco de embolada no Ponto de Cem Reis e cheguei a pular o muro do Teatro Santa Rosa para assistir um festival de violeiros.

Foi nessa época que comecei frequentar as atividades culturais do SESC, onde um senhor forte, de olhos firmes comandava o pessoal ligado ao folclore. Era o Tenente Lucena. Nós éramos três. Ele chegou, perguntou de onde a gente era e acho que gostou da nossa turma, porque no final da apresentação, ainda nos dirigiu a palavra, dizendo: “Apareçam mais vezes. Eu gosto da juventude”.

Na sexta-feira, lá estávamos nós de novo no mesmo local. Nesse dia, Eu, Gonzaga e Vanduí fomos convidados pelo Tenente para irmos conhecer a Nau Catarineta, em Cabedelo, que ia fazer uma apresentação na Fortaleza de Santa Catarina. Nós ficamos encantados com o que vimos e elogiamos o Mestre Lucena e seus Marujos.

Viramos fregueses e cada vez mais elogiados. Quando pensamos que não, já éramos amigos do Tenente. A Nau é um folguedo trazido de Portugal e aqui adaptado à nossa realidade com sua mistura de raça.

É uma apresentação cantada, onde o Mestre canta um verso em um tom, e um coro repete o mesmo verso num tom mais alto. É fácil de fazer, se você tem um pouco de conhecimento da estrutura como os cantadores de viola constroem seus baiões.

Certa noite, o Mestre estava tomando um café no SESC e eu perguntei a ele se podia mostrar uns versos que tinha feito. Ele concordou e eu não me fiz de rogado. Mandei.

“O Açude de Curema é maior do que o mar/O Açude de Curema é maior do que o mar/Em suas águas têm peixes/Peixinhos vivem a nadar”. E fui para o segundo verso vendo a cara de admiração e aprovação dele.

“O Açude de Curema dar para encher o mar/Se duvidar enche dois/Só pra ver o mar sangrar/E o mar sem ter parede/Onde essa água vai dar”.

No dia que eu vi os Marujos do Tenente cantando meus versos, fui gratidão a ele. Dizem em Cabedelo que no dia 9 de julho de 1985 foi feriado no Céu por conta da chegada do Santo da Cultura Popular.

  • Zé Euflávio é jornalista e foi editor dos grandes veículos de mídia da Paraíba, com passagem também pelo Correio Braziliense


Zé Euflávio

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